domingo, 5 de agosto de 2018

Antonio Apoitia, o militante imprescindível


A sessão plenária da Câmara de Vereadores do dia 9 de junho de 1969 ficaria marcada na história de Santana e especialmente do advogado Antônio Apoitia Neto como um acerto de contas com a ditadura militar. O Ato Institucional Nº 5 havia decretado o fechamento do Congresso Nacional e o recesso das assembleias legislativas estaduais e câmaras municipais, entre inúmeros outros gestos de arbítrio, como fim do habeas corpus e instauração de censura prévia nos meios de comunicação. Nesse ambiente de extrema tensão, Apoitia iria fazer ouvir sua voz pela última vez no parlamento municipal. Único vereador santanense cassado pelo ato ditatorial, o advogado criminalista, recentemente falecido, fazia parte de um conhecido grupo de combatentes políticos marcados pela resistência ao golpe. Segundo vereador mais votado para a legislatura 1969/1972, egresso das fileiras comunistas, assumia a vereança em uma bancada majoritária do MDB, que não poupava críticas ao recém-empossado interventor municipal, o general Antônio Moreira Borges.

Na sessão de posse do interventor santanense, Apoitia já tinha ousado quebrar o protocolo e tomar a palavra, afirmando com ênfase suas posições nacionalistas, que batiam de frente com as diretrizes da “revolução”.  Selando definitivamente sua sorte, pediu a palavra e falou diretamente ao interventor, investido pelos votos que recebera. “Continuo mais nacionalista do que antes, porque quero ver a pátria brasileira livre da espoliação dos grupos econômicos norte-americanos que espoliam não só a nossa Pátria mas a toda a América Latina, todo o terceiro mundo”.  Mais do que suas posições contrárias ao AI5, Antonio Apoitia já estava “marcado na paleta”, como diz o linguajar gaúcho, devido a sua conhecida militância no sindicato dos bancários de Porto Alegre e a intensa colaboração no trânsito de exilados pela fronteira, nos anos que se seguiram ao golpe.

"O Apoitia era conhecido como a voz das ruas, porque ficava dias escondido em um sótão que existia no sindicato, à salvo da repressão, convocando os companheiros por um sistema de alto-falantes colocado nas esquinas", lembra o companheiro de sindicato e ex-governador do Rio Grande do Sul, Olivio Dutra. Devido a militância, em novembro de 1964 foi sequestrado pelo Dops gaúcho e permaneceu encarcerado durante 30 dias na penitenciária estadual, sem saber se dali sairia vivo. Após o intenso período de tortura psicológica, vivendo em condições sub-humanas, foi libertado e voltou para fronteira, onde perfilou-se na ala dissidente do PCB, que buscava uma reação armada ao golpe. Com o aprofundamento da repressão passou a trabalhar nos bastidores, vivendo em Rivera, fazendo a vez de “pombo correio”, sempre que fosse preciso. Amaury Silva, Cláudio Braga, Leonel Brizola e o presidente deposto, João Goulart, faziam parte da rede de exilados auxiliados por Apoitia.  Eu tinha um amigo na policia de Rivera, e entrava no Uruguai com uma identidade falsa, onde eu tinha o nome de Antonio Almafuerte, que foi inspirado em um poeta argentino”, costumava lembrar. 

Atuando junto ao advogado uruguaio Adán Fajardo, Apoitia iria conviver intensamente com o colega e exilado político Tarso Genro, que recentemente lembrou do amigo como uma pessoa “imprescindível”  e “militante político de primeiro nível”.
Oriundo de uma família de raízes anarquistas e comunistas, Apoitia foi resgatado – aos dois anos de idade - de um incêndio, que consumiu a panificadora de seus pais, na atual esquina das ruas General Câmara e Hugolino Andrade. Herdeiro de uma tradição libertária, o advogado iria atravessar os anos de repressão com um prestígio intocado, coroado pela eleição a vice-prefeito na chapa do radialista Oriovaldo Greceller em novembro de 1985. Exemplo para toda uma nova geração de políticos da fronteira, Antonio Apoitia abdicou até mesmo da vida pessoal para dedicar-se a luta política e a solidariedade.

Texto e foto: Marlon Aseff

publicado originalmente na terceira edição de Almanaque Santanense

segunda-feira, 2 de abril de 2018

Luana Mockffa: Confissões de um coração em transe


Luana Mockffa é cantora brasilis. Luana vive em Floripa. Luana é musa do dream pop. Luana transita em um país afogado na mediocridade dos homens de gravata. Luana acaba de lançar um single que está causando e prepara novidades. Luana bateu um papo com Jogos da Memória sobre seu processo criativo, seus singles, e de como é viver em um pedacinho de terra perdido no mar...  

Como é ser artista no nosso convívio ?
Minha família nunca me levou a sério, inclusive na música. Nunca foram nos meus shows, nunca deram bola para ouvir minhas músicas, os vídeos, nada. Mas desta vez eles pararam...acho que foi o vídeo do Vernizzi, e da música ser mais pop, eles levaram a sério... do tipo “uau, nem parece que foi você que fez”. E a partir disso meu pai tem me dado alguma sugestão de apoio no sentido financeiro...ou seja, toda uma logística que envolve uma certa grana, e tá sendo positivo isso.

Mas já tinha lançado o primeiro EP ?
Sim, mas o primeiro EP foi bem atrapalhado, eu tinha 24 pra 25 anos. Foi em 2013 que começamos a gravar e lançado em 2014. Tinha cinco faixas, sendo que em duas delas eu não fiquei satisfeita, mas vou relançar. Chamava-se Algia, que é um sufixo de dor....como fibromialgia.... A música já transitava pelo Dream Pop. Tem uma versão de Manhã de Carnaval, uma bossa nova do Luiz Bonfá, de 1953...por aí. Mas no EP não faz alusão alguma a bossa nova, é um arranjo de milonga, com uma distorção à la Bang Bang, da Nancy Sinatra. E isso dentro do meu mundo não precisa de significado, ou que referencie um rótulo para minha música...preciso é que se materialize. É uma música de sintetizadores, mas a guitarra é guitarra. Tem clarinete, no timbre, e funciona muito bem. Na época, eu tava numa pira de entoações tribais, de cantos meio xamânicos, então tem umas segundas vozes que lembram isso. Tem outra faixa que se chama Mount of Sugar, que eu me inspirei na obra Revolução dos Bixos. Na versão em inglês tem uma fábula que os bixos contam para os outros bixos, que tem um lugar que se chama mount of sugar. Lembro que eu relacionei a morte, mas uma boa morte...na época eu tava tão niilista que eu pensei, bom, esse lugar não existe...

O EP tem uma mensagem ou algo que o identifica com esse momento?
Tem algo central, que é o processo de dor que eu estava sentindo fisicamente enquanto eu fazia ele. Por isso que se chama algia. Eu ainda não sabia lidar com a quantidade de remédios, e fazer o meu timbre ficar... eu perdi o controle da minha voz, porque na época eu estava tentando me acostumar ainda a falar e ter reflexos de novo, são muitos remédios...

E o single Eu vou fugir pro Rio de Janeiro, como dá para definir, os beats ...
Beats são bases musicais onde tem tudo. Tem bateria, órgão, tudo o que você quiser pode ter num beat. Originalmente era só batida, mas os beats foram evoluindo tanto que as batidas foram ficando sofisticadas, os softwares foram ficando sofisticados, e hoje você consegue fazer uma música inteira a partir de um beat. Então, mesmo que tenha hip hop, rap, ali naquelas batidas, é um beat não feito para isso... porque eu misturo com elementos bem pops. Eu tava numa fase de ouvir muito rap nacional e muito pop nacional e internacional. Então misturou tudo. Por isso esse trabalho tem mais lucidez. No Algia eu tava muito dopada, e eu não tinha o controle das coisas, tudo foi feito meio que às xongas, assim (risos). Só que agora eu sei o que eu quero, eu sento do lado do Yraq, que é meu produtor, e falo o que eu penso. Somos co-compositores.
Quais foram suas influencias para esse trabalho que sucedeu o Algia?
De rap tem Menestral, Froid, Rincón Sapiencia, Criolo, Djonga.... é uma galera underground, que faz seu sucesso. Mas eu vou na vanguarda do pop também. Porque o que me cativa no pop é a produção. Quando entra o clap, em que parte faz a transição para o kick, como se trabalha os graves, médios  e agudos...Na verdade eu até desconstruo o pop, mas eu ouço um pop de bastante qualidade, como a Sia, Pharrell Williams, Drake, The Weekend, Beyoncé, esse tipo de pop. Então fazem parte de uma pesquisa que pode até não ter método algum, porque se trata de ouvir o que eu quero, e que naturalmente vira um híbrido. Ah, e o Tim Bernardes, que faz uma espécie de MPB de vanguarda, e Mac Demarco, que faz um som bem easy...tem o Devendra também, que é o gênio da mistureba.

Eu vou fugir pro Rio de Janeiro nasceu dessa mistura?
Sim, a música fala dessa cantora que quer fugir pro Rio, e prospecta seus sonhos e entoa um mantra, tipo vai dar certo! Totalmente autobiográfico, na primeira pessoa, sou eu mesmo. E desde que eu comecei a assistir Branca de Neve com a minha filha, a Maria Clara, eu me apaixonei por uma melodia do filme, da versão em português, que diz um dia, um dia eu serei feliz... mas a letra é super passiva, de uma mulher que fica esperando um homem, que depois beija ela, salva ela...Então eu uso só a primeira frase original, mas depois coloco minha letra como uma resposta para ela. Fiz uma releitura, uma versão em recorte, misturado com todo o resto... No começo eu queria colocar o início da música da Branca de Neve, e em paralelo eu tinha o refrão do vou fugir....aí o Yraq me mostrou um beat que já era próximo de como ficou o original. Comecei com Branca de Neve, mas toda vez que ia cantar eu saía do tom, aí eu resolvi fazer um teste, que era encaixar o refrão e ficou perfeito, no sentido de dois pedaços darem muito certo. Aí foi a produção do beat, onde o mérito é todo do Yraq.

O clipe também foi um ponto alto do trabalho.
O clipe é o seguinte, eu sempre tive vontade de trabalhar com o Felipe Vernizzi, que é um diretor e fotógrafo, pelo qual eu sou completamente apaixonada pela linguagem cinematográfica dele. E eu contactei ele, e mesmo com pouquíssimo orçamento, ele veio para Florianópolis. Ele já era amigo de outro produtor com o qual eu tenho um duo, chamado Artemisia Vulgaris, que é o Rodrigo Ramos. Eu já tinha o figurino do clipe, e aí mostrei a música para ele, que adorou. Aí ele ouviu também outra música, que se chama Sleep Well, que ele adorou e quis fazer clipe dessa música também, que devemos lançar nas próximas semanas. Esse clipe foi feito no pinheiral do Rio Vermelho, dentro de um opala, que é um carro atemporal.

No clipe de Vernizzi não há um lugar definido, tipo olha é Floripa! Isso é deliberado?
É qualquer lugar. Mas não é que não seja Floripa. Na verdade eu estou sentindo falta de uma cena em Floripa. Tá acontecendo uma cena muito forte de mulheres, e é por isso que eu estou sentindo falta da cena, porque existem as pessoas mas não existe espaço de sobrevivência através da música. Pessoas incríveis, como a Renata Swoboda, a Carol Voigt, uma mulherada.. os Skrotes são maravilhosos...aqui teve uma música praiana, de reggae, que eu acho que se foi, ficou um vácuo. Falta subsídio, galera tá dura de grana, nem para ir a show. O clássico agora é comprar cerveja no mercado para beber em casa. E há um boicote a cultura que foge do padrão “ilhéu”, infelizmente. Tem François Muleka, tem um monte gente, que eu acho que já tem seu prestígio. O que tá faltando é um espaço de renovação. É muito difícil a abertura da mídia daqui para coisas novas, pessoal prefere repetir a pauta com o mesmo artista do que dar um play e ouvir de verdade o que o artista novo enviou junto com o release. 


por Marlon Aseff