segunda-feira, 30 de agosto de 2010

A ditadura oculta

A foto da candidata a presidência Dilma Roussef, tirada nos porões da ditadura e recriada em estilo "Andy Wahrol" pode até parecer alegre e bonita, uma espécie de imagem-ícone, ideal para uma campanha política. Na verdade, embora de uma beleza inegável, a imagem de Dilma refletia um enfrentamento "olho no olho" do regime militar. O olhar desafiador revela a firmeza de propósitos e um desprendimento pela causa, pois nada garantia que ela sairia viva depois desse retrato. O mais certo é que fosse "desaparecida" , a exemplo de centenas de companheiros que se negaram a aceitar o autoritarismo que se instalou no país a partir de 31 de março de 1964. Mas a ferida da ditadura brasileira ainda está aberta. Ao contrário da Argentina e Uruguai, que se propuseram a passar a limpo esse tenebroso passado, o Brasil insiste em tapar o sol com a peneira, em esconder os crimes e os culpados, até mesmo com a anuência do governo da futura presidenta. Veja algumas reportagens realizadas nesta semana pelo colega Rodrigo Vianna, que mexe nesse passado sombrio: Parte 1, Parte 2, Parte 3 e Parte 4.

Imagem gentilmente cedida por Cristóvão Feil, do blog DiarioGauche. Vídeos enviados por Jair Krischke, do Movimento de Justiça e Direitos Humanos do RS.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Carta da Fronteira


" Os prefeitos, intendentes, alcaides e atores sociais dos municípios e departamentos da fronteira do Brasil e Uruguai, reunidos em Santana do Livramento, no dia 12 de julho de 2010, dada a necessidade de promover a integração cultural entre os dois países, sobretudo na faixa de fronteira,
considerando que a histórica convivência entre ambos os povos da fronteira Brasil-Uruguai produziu um patrimônio cultural com identidade própria;

considerando que a fronteira Brasil-Uruguai constitui importante corredor cultural e eixo integrador para o desenvolvimento sustentável no território do bioma Pampa, com suas singularidades e diversidade ambiental e cultural;

considerando a necessidade de promover a auto-estima e o sentimento de pertencimento, o reconhecimento e a valorização do patrimônio histórico e cultural das comunidades fronteiriças;

considerando a urgência e importância de fortalecer as ações culturais das comunidades da fronteira, bem como ampliar e democratizar o acesso aos serviços e bens materiais e imateriais, as políticas e programas culturais, e o fortalecimento da economia da cultura, das capacidades e dos saberes locais;

considerando que o Parlamento do Mercosul aprovou os Pontos de Cultura como importante referência conceitual para multiplicação no âmbito do bloco regional;

considerando que o Brasil é signatário e membro do Conselho Intergovernamental da Convenção da UNESCO sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, assinada em 2005 e em vigência desde 2007, a qual inclui a responsabilidade de proteger e promover a diversidade cultural do País em suas diferentes regiões e territórios, inclusive as regiões de fronteira;

considerando que o Brasil assumiu, desde junho de 2010, a presidência pró-tempore do grupo de Ministros da Cultura do Mercosul;

considerando o avanço da integração do bloco regional, tendo a integração cultural como central para o fortalecimento dos projetos de nação e o desenvolvimento dos países que o integram;
Resolvem:
1) constituir uma Comissão Binacional integrada pelos agentes públicos e representantes das organizações sociais e culturais da fronteira,com o objetivo de implementar e efetivar o processo de mobilização, visando a integração cultural entre o Brasil e o Uruguai;
2) reconhecer essa comissão como articuladora de ações que gerem espaços públicos de discussão para a formulação de políticas culturais para zona de fronteira;
3) solicitar aos governos federal brasileiro e nacional uruguaio que reconheçam a comissão como espaço de interlocução para políticas culturais na fronteira;
4) propor aos governos federal brasileiro e nacional uruguaio, o compromisso dos Ministérios e Órgãos Culturais competentes, com os propósitos listados neste documento, mediante a assinatura de um Acordo ou Protocolo de Cooperação Cultural;
5) criar um Fórum Permanente como indicador de diretrizes de Políticas Públicas de Cultura a serem adotadas pelo Brasil e Uruguai em relação às cidades de fronteira;
6) propor a flexibilização de trâmites burocráticos visando a facilitação do intercâmbio cultural, bem como a integração de um modo geral, a exemplo de iniciativas da saúde, priorizando a liberação de recursos para projetos cuja a finalidade seja a valorização da cultura regional fronteiriça e do bioma Pampa com a consequente valorização do patrimônio material e imaterial, mediante políticas de reconhecimento e ações de restauro, conservação e registro;
7) solicitar a viabilização de programas que garantam suporte e recursos para a elaboração de projetos culturais voltados ao cotidiano dos povos fronteiriços, com ênfase no desenvolvimento sustentável e valorização turística;
8) oportunizar o desenvolvimento cultural por meio do estabelecimento de acordos bilaterais para o fomento à formação artístico cultural mediante o intercâmbio de políticas públicas já adotadas pelos dois países a exemplo de: pontos de cultura, usinas e fábricas culturais, escolas binacionais de arte, feiras do livro binacionais, escolas binacionais de ensino elementar e médio;
9) criar mecanismos que visem à distribuição equitativa dos benefícios e programas culturais com atenção especial às cidades de baixa densidade populacional.

Santana do Livramento,12 de julho de 2010.
Assinam:
Santana do Livramento; Rivera; Quarai; Artigas; Barra do Quarai; Uruguaiana; Bagé; Dom Pedrito; Santa Vitória do Palmar; Jaguarão; Rio Branco; Rocha "

Texto do documento entregue aos presidentes de Brasil e Uruguai, na recente visita que os chefes de Estado fizeram a fronteira. Os itens acima devem ser discutidos e ampliados no encontro de Jaguarão .

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Brasil e Uruguai buscam maior integração cultural

Acontece no próximo final de semana (29 e 30 de agosto de 2010) um importante encontro em Jaguarão, que irá aproximar os diversos atores e agentes culturais da extensa faixa de fronteira sul, entre Brasil e Uruguai. Com o apoio dos ministérios de cultura de ambos os países, serão discutidas as maneiras efetivas dessa integração cultural, que se faz urgente e deve ser articulada no âmbito mais amplo do Cone Sul. Participam representantes do executivo e dos setores da cultura das principaís cidades da faixa de fronteira, além do Núcleo de Estudos Fronteiriços da UFPEL, Unipampa e organizações da sociedade civil brasileira e uruguaia . Um passo fundamental para a integração política e cultural de nossos povos. No decorrer da semana, iremos publicar mais conteúdo sobre os debates, palestras e acordos que resultarão do encontro. Clique na imagem para ampliar.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

O velho medo de ser feliz

Observando a imagem de meu pai, Jesus Aseff, e meu tio, Antônio, ao lado de um dos cachorros da Praça Flores da Cunha, algumas coisas me vieram à cabeça. Na verdade, muitas coisas.

Vendo aquela cena alegre da infância santanense, nos idos de 1940, penso em que espaços urbanos nossa infância de hoje pode ocupar, para se divertir, passear, ou apenas sorrir despreocupadamente como os meninos da foto?

Pelo que sei, a Praça da Bandeira vive já há alguns anos “assombrada” por todo o tipo de pessoas marginalizadas e com mato alto ao redor. Mesmo o Parque Internacional não oferece mais a segurança necessária, antes do sol se por. Da periferia, dos bairros afastados e esquecidos, melhor nem falarmos, pois seria ainda mais trágico.

E a Praça dos Cachorros? Para começar, roubaram os cachorros e o que sobrou do espaço público que ainda resistia bravamente nos anos 80, está intransitável. Aliás, nada sobrou.

Daí me vem à mente algumas canções e jingles que povoaram nossos anos recentes. O primeiro deles é o velho “Sem medo de ser feliz”, das campanhas de Lula, lembram?

Conversando com o escritor Luciano Machado, ele me dizia estar temeroso do real engajamento da população nessa campanha de recuperação da praça, pois os jovens de hoje não conheceram o local em seu esplendor de espaço público. Se acostumaram ao que hoje está ali. Em outras palavras, tem medo de ser felizes. Ou nem desconfiam o que é felicidade.

Aí volta na minha cabeça a velha canção que diz: “Quando nascemos fomos programados, a receber de vocês, nos empurraram com os enlatados, dos USA, de nove às seis. Desde pequenos nós comemos lixo, comercial e industrial ...”.

Quer dizer, essa geração não consegue visualizar uma cidade renovada, feliz e desfrutável, a exemplo do que acontece nas praças de Rivera (desculpem, a comparação é inevitável), que parecem estar a 100 quilômetros de distância, mas estão a poucas quadras dali.

“Nada mais me deixa chocado”, já prenunciava aquela canção dos Paralamas. Hoje, somos uma sociedade que não teve o mínimo suporte educacional e cultural, está entupida de violência e com medo, muito medo de ser feliz.

Lembro do Parque Internacional como um território ao mesmo tempo lúdico e de resistência. Por ali passaram quantos militantes das organizações de esquerda, que buscavam refúgio no Uruguai dos anos 60? Quantos agentes da CIA, dos serviços secretos brasileiros também? Antes disso, quantos comerciantes, pistoleiros e ciganos no velho Areial ? Líderes políticos sob a influência das idéias anarquistas, comunistas e depois os partidários de Prestes?

Pela Praça dos Cachorros, então, quantos enamorados se beijaram e também quantos exilados buscaram ali uma visão reconfortante do país que eram obrigados a abandonar?
Logo após a chacina que vitimou quatro militantes comunistas em frente ao Café Tupinambá, no Largo Hugolino Andrade, em setembro de 1950, foi na Praça dos Cachorros que os companheiros de Rivera se uniram para jurar vingança e execrar o arbítrio.

E hoje, onde se reuniriam? Onde está o povo que merece ser feliz? Se esse local histórico, ele mesmo é um ator dessa memória, não é justo que o tenhamos de volta?

Por isso, pede-se aos homens públicos dessa terra, ao prefeito, ao intendente e vereadores, o mínimo de responsabilidade com as gerações presentes e futuras.

Não se está pedindo que vislumbrem muito além, como Georges Haussman, que modernizou Paris no final do século 19, com os bulevares que até hoje fazem o marketing da cidade.
Nem mesmo que sejam um Pereira Passos, que saneou o Rio de Janeiro nos inícios de 1900.

Mesmo esses dois grandes administradores incorreram em muitos erros, pois mexer com o social nunca será uma receita pronta e fácil.
Não se está pedindo que estas pessoas que hoje ocupam a Praça e o largo até o Teatro de Rivera sejam colocadas “porta-afora”, como foras da lei. Não.

Aí é que entra a responsabilidade dos administradores e políticos, que antes de mais nada precisam regularizar a situação destes comerciantes, legalizá-los e colocá-los em local apropriado.

Vejam os centros populares de compra que surgiram em capitais como Belo Horizonte, Florianópolis ou Porto Alegre e tome-se como exemplo.

O que parece líquido e certo é que da maneira como está hoje, a Praça General Flores da Cunha e o Largo Hugolino Andrade não servem como paradigma de uma cidade turística, moderna e aprazível.

O espaço da Praça deve voltar a ser cristalino e todos aqueles que não tem medo de ser felizes devem lutar por isso.

Essa é a primeira de muitas batalhas que devem vir, na busca de uma Santana e uma fronteira cada vez melhor para todos. A inclusão das periferias abandonadas tem de ser o passo seguinte.


Texto publicado originalmente no blog Santana do Livramento, em defesa da liberação da Praça Flores da Cunha e sua devolução a população da fronteira.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

A memória em risco

O fenômeno do turismo de compras nos free-shops de Rivera está gerando uma visibilidade muito grande para a fronteira, e Santana do Livramento não é apenas uma coadjuvante, como muitos pensam. Todos os finais de semana e feriadões, milhares de turistas aportam em nossa terra, e entre eles gente da mais pura cepa, como professores universitários, pesquisadores e pessoas de alta qualificação intelectual. Pois acabo de ouvir de um amigo, pesquisador universitário, um relato de absoluto estarrecimento com o nível de deterioração dos documentos que guardam a memória de nossa cidade. Para mim, que pesquisei recentemente nos arquivos remanescentes de Santana, não foi novidade. Mas vindo de uma pessoa alheia ( e inconformada) com nossa realidade, me chocou novamente.
Disse-me esse amigo, que aproveitou o dia para visitar os museus da cidade e fazer o levantamento de material bibliográfico para uma pesquisa que realiza sobre a região, afinal, nem só de whisky importado vive o homem. Pois ele se mostrou abismado com o péssimo estado de conservação de livros e atas históricas, além de jornais e revistas do início do século que estão guardados (?) no Museu David Canabarro. Quando por lá passou, há menos de duas semanas, deparou-se com uma sala úmida e vertendo água, onde os jornais históricos estavam empilhados, junto a livros e revistas que deterioram-se dia-a-dia. Arquivos de jornais como O Republicano, A Platéia e Folha Popular, entre outros mais raros e livros centenários estão se perdendo para sempre! Além disso, naquele dia o prédio estava sem água, sem papel higiênico e, pasmem, a única assinatura de um jornal diário que ali chegava, era de propriedade de uma funcionária.
Como ela resolveu cancelar a assinatura, nem mais o jornal diário chega ao Museu, comprometendo a realização do novo acervo. Mas não me foi de todo surpresa esse relato porque já tinha experimentado, há algum tempo atrás, a mesma sensação. Ao pesquisar na Biblioteca Rui Barbosa, no outro extremo da Praça General Osório, deparei-me com a mesma situação. Arquivos de jornais empilhados em uma sala vazia, jogados em um canto, deteriorando-se com a extrema falta de acondicionamento. Há dois anos atrás, quando ali pesquisava, ouvi de um funcionário que “muitos desses papéis velhos foram queimados, porque estavam cheio de ácaro e não serviam para nada!”.
Agora, pensem.
Quando se instala em nossa cidade um Núcleo de Estudos Fronteiriços.
Quando dois presidentes por aqui passam e abençoam a integração político-cultural.
Quando nos aproximamos da academia uruguaia em um esforço de pesquisa em comum.
Quando sabemos que a cultura – e aqui leia-se a memória – é o maior capital intelectual que podemos oferecer, inclusive para alicerçar o turismo...é assim que se procede?
Vejam a luta pela recuperação da Praça Flores da Cunha. Até o momento, meia dúzia de vendedores ambulantes que tomaram o espaço público estão dando de goleada na população, chamados de “empreendedores” pelo executivo municipal.
Por outro lado, uma fatia valiosa da memória da nossa cidade e de nosso povo está praticamente “seqüestrada” no Museu da Folha Popular. Ali, documentos que não tem preço, pois documentos dessa ordem não podem ser precificados como uma mercadoria, estão sabe Deus como. Já estarão perdidos? Será que ainda resistem? Não se sabe, pois aquele local todos estão proibidos de acessar. Conforme me afirmou um escritor santanense, a família do historiador Ivo Caggianni, que muito fez pela memória de nossa terra, dessa maneira demonstra não estar à altura desse legado. Nas muitas tentativas que fiz para pesquisar naquele valioso acervo, sempre recebi um não. Algumas vezes, dizia-se que o Museu estava à venda, mas não se achava comprador. Noutras, apenas o silêncio. Ora, praticamente todo esse acervo do Museu da Folha Popular foi doado ao historiador pela comunidade, que via nele um “fiel depositário”, que saberia guardar para as futuras gerações esse precioso material, fundamental para repensarmos nosso passado e planejarmos o futuro.
Ninguém pode ser dono de algo que diz respeito à memória coletiva, a memória de um povo. Ainda assim, não seria o caso do poder executivo planejar uma maneira de adquirir esse acervo e preservá-lo para as futuras gerações? Ou vamos esperar tudo desparecer? Existem linhas de financiamento federais, programas do Ministério da Cultura para esse fim, é só ter olhos para ver e disposição para vasculhar essas páginas na Internet. Todo esse valioso material deveria ser reunido e acondicionado em uma câmera fria, com arquivos planejados para este fim, pois a refrigeração é a única maneira de salvar esses papéis, e posteriormente escaneados. É caro? Ou simplesmente não é prioridade? Pois assim caminhamos, observando nosso riquíssimo acervo se perdendo, sendo roubado ou leiloado, e nosso futuro escapando pelas mãos.

A foto que ilustra este post é do jornal santanense O Republicano, criado por Francisco Flores da Cunha no ano de 1941, em oposição ao Estado Novo e em apoio ao ex-governador José Antônio Flores da Cunha, então exilado no Uruguai. Posteriormente tornou-se porta voz da recém criada UDN (União Democrática Nacional). O jornal, fundamental para a compreensão de nosso passado recente, está virando pó.
Se você é daqueles cidadãos que quer passear novamente na Praça Flores da Cunha e vê-la devolvida ao povo fronteiriço, clique aqui para juntar-se a campanha de revitalização do local.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Lula e Mujica na fronteira

O breve passeio dos presidentes Lula e Mujica em torno do obelisco do Parque Internacional, de mãos dadas e erguidas, na manhã do dia 30 de julho, foi de um simbolismo vital para a fronteira. A vinda dos dois maiores líderes da esquerda do Cone Sul, hoje presidentes de seus países, coroa as recorrentes ações de valorização dessa região e traz definitivamente os novos e bons ventos que anunciam o futuro. Mais do que declarações de cooperação entre os dois países, o encontro da alta cúpula ministerial de Brasil e Uruguai no quartel do 7º Regimento, demonstra que a integração está subscrita desde já, aguardando apenas que os setores organizados da sociedade de ambos os países a levem adiante. Na área educacional, em especial, a fronteira está vivendo um momento único, com a abertura do Núcleo de Estudos Fronteiriços do Mercosul, que traz a conhecida unidade de estudos da Universidade Federal de Pelotas para a região.
Além disso, integra-se a esse esforço de consolidação de um pólo de estudos do Cone Sul na fronteira, a adesão fundamental do Centro Universitário de Rivera, braço da Universidad de La República, sob a coordenação do biólogo Mario Clara. Para afirmar essa iniciativa verdadeiramente internacional, some-se a crescente atuação da Universidade Federal do Pampa, fruto da política governamental de fortalecimento do ensino superior no país, com bases sólidas em Santana, e a Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, que deve ser consolidada nos próximos anos.
Afora toda essa movimentação dos segmentos políticos e educacionais de Brasil e Uruguai, que passam a olhar para a fronteira com um renovado interesse, nota-se que as comunidades começam a responder com novos projetos e ações que vão ao encontro dessa diretriz política. Em Rivera, a conhecida capacidade investigativa e organizacional dos irmãos orientais está cada vez mais embalada pelos ditames dos novos governos de Mujica e Marne Osório. Em Santana também percebe-se um despertar para novas ações culturais e educativas, que parecem estar muito mais claras e objetivas na cabeça desses novos atores sociais e de toda uma velha geração, hoje mais amadurecida e que deve contribuir muito nessa nova fase.
Por isso, o gesto de Lula e Mujica, e os discursos que mostraram a incrível afinidade que une os dois presidentes, foi um bálsamo para a população fronteiriça e os anseios de uma real integração política e cultural entre Brasil e Uruguai, que a partir de agora deve se consolidar em um caminho sem volta. Isso inclui – como preconiza as diretrizes do Núcleo de Estudos Fronteiriços - a integração transfronteiriça, o intercâmbio educacional e o fomento às relações de caráter sociocultural entre nossos países. As portas estão abertas, e a hora é agora.

Nas fotos acima, os presidentes Lula e Mujica, acompanhados pela primeira dama uruguaia, a senadora Lucia Topolansky, desembarcam no aeroporto de Rivera. Logo após, os populares aguardam a chegada dos chefes de Estado no Parque Internacional. À direita, o novíssimo Núcleo de Estudos Fronteiriços, da Ufpel, fotografado poucos minutos antes da inauguração. Abaixo, à esquerda, o biólogo Mario Clara, coordenador do Centro Universitário de Rivera. Confira aqui o simbólico passeio de Lula e Mujica no Parque Internacional.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

O múltiplo Pedro Figari





Além de muito aconchegante, a casa de Guillermo Garat e seus amigos em Montevidéu, nos brindou com esses quadros "inesperados" do grande pintor uruguaio Pedro Figari. Esboços em grafiti, que enfocam um tema recorrente do artista: os negros e seus rituais. Os desenhos - originais - datam de 1931, época em que o pintor residia em Paris. Falecido em 1938, Figari foi também advogado, político, jornalista e assessor do mítico presidente colorado José Battle y Ordóñez. Conforme anota Fernando Saavedra, Pedro Figari também foi um escritor compulsivo, legando-nos peças teatrais, poesias, fábulas, tratados de arte e uma vasta correspondência. O músico Ruben Rada, em reconhecimento a contribuição de Figari a cultura afro-uruguaia, compôs um dos melhores candombes de sua safra:
Candombe para Figari

Querido amigo Figari, pintor de la tierra mía
Usted nunca imaginó que un candombe le daría
De tanto mirar sus cuadros aquí y en tierras vecinas
Me dí cuenta que pintó música como la mía

Querido amigo Figari pintor de la tierra mía

Don Figari compañero de la vida
Luchador de la hermosura por toda la tierra mía
Don Figari compañero de la vida
Hay que ver con qué dulzura pintó usted la raza mía

Rompen las lonjas, rompen, parche y madera, madera
Dale a las lonjas moreno
Que resuenen los candombes por Figari una vez más

Ay, querido amigo Figari, pintor de la tierra mía
Hoy me embarga la emoción y se aumenta la poesía
La música y la pintura andan por la misma vía
Usted pinta la emoción, yo versos con harmonía

Querido amigo Figari pintor de la tierra mía.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

O ano Florencio Sánchez

Aos 100 anos da morte de Florencio Sánchez, o Uruguai vive por todo o país uma série de atividades que reverenciam de alguma maneira a obra de seu maior dramaturgo. Pela capital e nas cidades do interior estão estampadas a foto emblemática do literato, chamando para as diversas atividades que se desenvolvem sob o pretexto de homenagear o homem e sua obra. A Rádio Sodre promove um concurso de ficção vinculado a textos, obras e personagens do autor, inaugurando o prêmio Nelly Goitiño, que terá vida própria a partir desta primeira edição. Uma exposição itinerante reúne na capital e por cidades do interior artes plásticas e espetáculos musicais, seguidos de debates, versando sobre a obra de Sánchez. A Fiesta Sánchez, por sua vez, vai reunir a comunidade teatral em uma celebração do centenário em torno de temas culinários que de alguma maneira façam uma ligação com o ilustre dramaturgo. Mas as atividades não param por aí. Ainda há uma apresentação teatral itinerante, de ônibus, por todo o país e um desafio a estudantes de teatro na elaboração de sketches teatrais em cima da pergunta: “Que aconteceria se Don Zoilo não tivesse se matado?”, em referencia a obra Barranca Abajo. Além disso, serão entrevistados atores que viveram os personagens criados por Florencio Sánchez e uma série de projetos cênicos serão reencenados. Isso só para ficar na programação oficial, já que por todo o país os estudantes estão mobilizados no estudo e debate da obra deste dramaturgo fundamental. “En este centenário nos planteamos rescatar, reflexionar y resignificar Sánchez em las manifestaciones teatrales, el pensamiento vivo, y en la creación artística como parte de una identidad viva. Donde cada uruguayo pueda relacionarse y dialogar con él. Dialogar desde la diferencia de los tiempos históricos, ideológicos y estéticos que nos separan, pero que evidencian el poder reconciliador del arte, permitiendo el rencuentro entre los vivos y los muertos, hecho que muchas veces altera el orden de quienes están vivos y quienes muertos. Por eso celebrar es algo más que conmemorar un centenario”, define Marianella Morena, do Instituto Nacional de Artes Cênicas.
Mais além de dramaturgo, Florencio Sánchez foi também um soldado de Aparício Saravia, quando da guerra civil em 1897. Seguia então a indicação da família, tradicionais militantes do partido Blanco. Mas logo percebeu que seu lugar não era naquela batalha e desertou para o Brasil. Na fronteira de Santana do Livramento e Rivera, conviveu com os caudilhos de então, e não poupou as mais severas críticas ao mandatário João Francisco Pereira de Souza, que tachou de sanguinário e bárbaro, ao comentar as atrocidades cometidas na revolução federalista, no Brasil, e posteriormente o levante Blanco, no Uruguai. Passados os anos revolucionários voltou ao Uruguai e engajou-se na luta anarquista, dando prosseguimento aos escritos dramáticos e a carreira de jornalista. Após mudar-se para La Plata, na Argentina, o dramaturgo dá continuidade a sua obra, que aborda os tipos sociais do Rio da Prata, como os imigrantes, os cortiços e os proletários. Morre de tuberculose, na Itália, em 1910, já consagrado como autor de teatro e literato. Na cidade de Rivera, o histórico prédio do teatro Florencio Sánchez, parcialmente desfigurado, mas ainda em pé, aguarda uma justa revitalização e o retorno ao convívio da comunidade artística e da população da cidade nortenha.

Obra dramática:
La gente honesta (Los curdas) - 1903
M'hijo el dotor - 1903
Canillita - 1903
Cédulas de San Juan – 1904
La pobre gente - 1904
La gringa - 1904
Barranca abajo - 1905
Mano santa - 1905
En familia - 1905
Los muertos - 1905
El conventillo - 1906
El desalojo - 1906
El pasado - 1906
Los curdas - 1907
La tigra - 1907
Moneda falsa - 1907
El cacique Pichuleo - 1907
Los derechos de la salud -1907
Nuestros hijos - 1908
Marta Gruni - 1908
Un buen negocio - 1909

livros:
Cartas de un flojo -1900
El caudillaje criminal en Sudamérica -1903

domingo, 1 de agosto de 2010

Ah, las cervezas uruguayas ...




Uma vez em solo uruguaio, foi-nos impossível resistir a essa bebida que é (mais) uma marca da qualidade uruguaia em gastronomia. Além de tantas delícias em massas, carnes e lanches de rua, as cervejas uruguaias - e aqui penso principalmente na Patrícia e Pilsen, são irresistíveis. Quem é da fronteira lembra da antiga Norteña de garrafa bojuda, esverdeada, que possuía aroma inconfundível. Também o sabor da velha Patrícia, de cor vermelha e paladar forte, que se perdeu na lembrança daqueles anos. Com a aquisição das cervejarias uruguaias e argentinas pela Ambev, por algum tempo aquele sabor inconfundível que marcou a boemia da juventude fronteiriça ficou como uma lembrança boa de um tempo que passou. Que dor foi constatar que aqueles distintos aromas das cervejas uruguaias tinham sido "globalizados" em um líquido amorfo dos primeiros tempos da mudança! Agora quero saudar a volta da boa cerveja uruguaia, em especial as escuras Patrícia Dunken (mais doce) e Patrícia Porter (mais amarga). Sim, ainda há a Zilertal, as cervejas argentinas vendidas em Montevidéu e os inigualáveis vinhos das uvas Tannat e Cabernet Sauvignon. Mas quem lê este texto percebe que não sou nenhum especialista, apenas um apreciador desta bebida que combina com viver a vida, com amigos, viajando, brindando ao futuro! Saúde!