quinta-feira, 29 de julho de 2010

Três historiadores uruguaios


Em recente viagem a capital uruguaia, mantivemos contato com três renomados historiadores da pátria vizinha. Encontramos Aníbal Barrios Pintos (foto acima), na Biblioteca Nacional, pesquisando para um novo trabalho, em um vigor físico e intelectual admirável para os seus 91 anos de idade. Conversamos sobre fontes, arquivos e metodologias, quando o mestre compartilhou suas idéias sobre a história uruguaia, que ele tão bem investigou em inúmeros livros, como as histórias de todos os departamentos do país, seus líderes e povoadores ; além de outros tantos textos fundamentais, como a História da Mulher no Uruguai. Com muita cordialidade, Barrios Pintos lembrou do tempo em pesquisava na fronteira, para sua obra Rivera en el Ayer, hoje um clássico, e de um inusitado encontro com o então presidente exilado, João Goulart, pelas ruas de Rivera. Indicou boas fontes de consulta como a Biblioteca do Palácio Legislativo, a Sala Lavalleja, no Museu Nacional. Barrios Pintos nos confessou que com a idade avançada, ocupa todos os seus dias na pesquisa e escrita de sua nova obra, sempre em torno da história do povo oriental. O grande mestre acaba de lançar, em uma série de três tomos, cerca de 1.500 páginas sobre os povoadores e as localidades uruguaias.


Universindo Rodríguez Díaz, ou Yano Rodríguez, como é mais conhecido por seus compatriotas, pouco lembra aquela figura que ficou um tanto estigmatizada pela imprensa brasileira, como o homem seqüestrado junto a Lilian Celiberti, em Porto Alegre, nos estertores da famigerada Operação Condor, em 1978. Com uma simpatia e uma solicitude à toda prova, este fronteiriço de Artigas me recebeu em sua sala de pesquisas, na Biblioteca Nacional, onde trabalha há cerca de 30 anos. Mais além do caso rumoroso em que foi envolvido naqueles anos de ditaduras brutais no Cone Sul, Yano se mostrou um homem que olha para a frente, envolvido na investigação da história social do Uruguai, a contribuição dos trabalhadores e o aporte que essa atitude cultural gerou no país desde o início do século 20. Documentarista consagrado, Yano Rodríguez co-dirigiu junto a José Pedro Charlo, o filme A Las Cinco en Punto, onde aborda a greve geral deflagrada no país após a decretação do golpe de estado, em 1973. Após este filme, Yano já dirigiu outros documentários sobre a história sindical do país. Autografou gentilmente os livros Los Sectores Populares em El Uruguay Del Novecientos – Primera Parte: 1907-1911 (Editorial Compañero. 1989), e Los Sectores Populares en El Uruguay Del Novecientos – segunda parte (tae. 1994), que comprei nas livrarias da calle Tristán Narvarra. Em breve vamos postar aqui uma entrevista com Yano, fruto do agradável bate-papo que mantivemos na Biblioteca, entre um matezito e outro.


Antônio Dib Seluja Cecín é o historiador dos libaneses e a imigração árabe no Uruguay. Foi apresentado pelo gentil amigo Juan José Reyes, presidente da sociedade libanesa Hijos de Darbeshtar. Nos recebeu em seu apartamento da rua Edil Pratto, pertinho do famoso Parque Rodo. Seluja também nos impressionou pela vitalidade, amabilidade e grande conhecimento da história dos paisanos no Uruguai. Recebeu em mãos o livro Presença Árabe na América Latina, editado pela BibliASPA e MinC e a revista Fikr, e ficou maravilhado ao reconhecer nas imagens, seu próprio pai e alguns amigos de outrora. O velho narguilé da foto onde aparecia seu pai, estava ali na sua sala, ao nosso lado, resistindo solenemente ao tempo. Um literato e professor, elegante e muito culto, assim nos pareceu este historiador, que não mediu esforços para esclarecer dúvidas pontuais da pesquisa que mantemo s sobre imigração libanesa no Uruguai e fronteira gaúcha. Graças a amigos como Juan José Reyes e nosso anfitrião em Montevidéu, o jornalista Guillermo Garat, pudemos desfrutar da companhia de três fundamentais historiadores desse país fascinante que é o Uruguai.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Três vezes Montevidéu




A primeira foto mostra a capital uruguaia ao fundo, vista do histórico Estádio Centenário, no belo Parque Batlle. Logo depois um flagrante em um bar de boêmios, nas cercanias da avenida 18 de Julio. Na última foto, o interior de uma das dezenas de livrarias da calle Tristán Narvarra, no Centro da capital uruguaia.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

A segunda morte de Jango


Arquivamento de um Presidente

Na semana que passou, o Ministério Público Federal do RS decidiu pelo arquivamento do inquérito civil público que apurava a tese de assassinato do Presidente João Goulart. Notícia com repercussão em veículos de grande circulação do país, nosso Estado acaba sendo protagonista no desfecho de um dos tantos crimes ocorridos na América Latina durante os 21 anos de regime de exceção. O crime maior foi calar ao povo brasileiro, com conseqüências sofridas até hoje.
Sob o argumento central de que a investigação foi conduzida pelo testemunho “contraditório e improvável” de um ex-agente do serviço de inteligência Uruguaia durante a ditadura daquele país, o MPF opta por sepultar novamente a história de Jango. Esse é o ponto. Não se trata tão somente da provável eliminação física do Presidente Jango: é o histórico da memória nacional que resta arquivada.
São os crimes de Estado cometidos durante o regime, são os documentos que poderiam restar desclassificados, amparado por um instrumento cívico como esta investigação iniciada pelo Instituto Presidente João Goulart, são as testemunhas que poderiam ser ouvidas que ainda estão vivas. Sem interesse de atuais governos, a dificuldade ainda é maior. Claro. Quem se habilita para confrontar interesses de grandes corporações, em prol da justiça e da memória nacional? É nesses momentos, que questiono o conceito de justiça tão sonhado.
Impera a cegueira. Tanto sacrifício patriótico de nossos ancestrais para culminar no ostracismo proposital. Hoje, poucas pessoas sabem que foi o Presidente Jango que evitou duas guerras civis no Brasil. Poucos sabem que o teor das reformas de base, motivo principal do golpe de 64, nada mais era do que as tão propagadas reformas estruturais e institucionais que debatemos na atualidade. Sendo assim, este processo ora arquivado não tratava apenas sobre morte de João Goulart, mas do resgate de sua vida, fundamental para nossas perspectivas de futuro.

Christopher Goulart
Presidente da Associação Memorial João Goulart

O artigo de Christopher Goulart demonstra a prostração daqueles que lutam pela justiça e a punição dos crimes cometidos durante a longa noite da ditadura militar no Brasil. Indícios claros do assassinato do ex-presidente são refutados a cada tanto, subscrevendo de alguma maneira a nebulosa redemocratização do país, onde torturadores e assassinos gozam de plena liberdade, muitas vezes ocupando cargos de destaque na vida republicana.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Lutas operárias na fronteira: trânsito de ideologias com o Prata

O começo do século encontra a fronteira sob a euforia da inauguração da Cervejaria Gazzapina (1908) e o pleno funcionamento de estabelecimentos comerciais como a Padaria Aragonez, que junto ao setor de construção civil incorporavam os núcleos de trabalhadores filiados às idéias anarquistas. O potencial explosivo dessa experiência distinta atravessava a linha de fronteira e ganhava um contorno central nessa cultura política que se desenhava, somando-se a forte influência anarquista que muitos operários argentinos, uruguaios e espanhóis alimentavam. Os ecos dessas novas demandas políticas seriam estampados no jornal anarquista A Evolução , que viria a ser impresso em português e espanhol, em Santana a partir de 1911. A aproximação dos movimentos anarquistas e socialistas uruguaios com as lideranças trabalhadoras na fronteira seria inevitável, levando-se em consideração a proximidade da região com as emergentes lutas desenvolvidas desde o final do século XIX em Montevidéu. A luta operária pela redução de jornadas de trabalho que beiravam as 14 horas diárias, o aumento do salário e melhoria nas condições de trabalho deflagram no Uruguai um longo movimento grevista em 1905. O clima de agitação operária dá lugar ao nascimento da FORU (Federação Operária Regional do Uruguai), em 23 de março de 1905. Em 1911, uma greve geral sacode o país, em um marco na história dos confrontos sociais. A demissão de dirigentes sindicais das empresas responsáveis pelos bondes em Montevidéu, deflagra uma reação policial extrema. A população reage em solidariedade aos grevistas, conforme aponta o dirigente sindical Gustavo López: "A imprensa da época registra as múltiplas expressões de solidariedade recebidas pelos grevistas por parte dos trabalhadores organizados de outros sindicatos e de amplos setores da população. Os comerciantes ofereciam alimentos para o sustento das famílias trabalhadoras, os intelectuais comprometidos doavam livros para o que o produto de sua venda financiasse a greve, diversas atividades de solidariedade foram organizadas em bairros da capital e das principais cidades do interior."
A fronteira, situada a cerca de 500 quilômetros de Montevidéu, vive nesse momento uma aproximação geográfica e cultural muito maior com a capital uruguaia do que com Porto Alegre. Embora as capitais estejam quase na mesma distância, cerca de 500 quilômetros para o sul ou para o norte, as precárias estradas do Rio Grande do Sul nesse momento dificultavam o deslocamento para a capital gaúcha, estigmatizando a região como terra distante e pouco acessível. Para Montevidéu, no entanto, uma via férrea estabelecia a ligação necessária. Local de exílios e resistência às normas políticas vigentes no Rio Grande do Sul, em Rivera gestavam-se as idéias contrárias ao poder absoluto do governo republicano riograndense. Ali eram editados os jornais O Maragato e O Canabarro, editados por ex-combatentes federalistas exilados do outro lado da linha divisória. Nesse ambiente gesta-se a figura de líderes operários que viriam a ser fundamentais na organização dos trabalhadores na região, primeiramente filiados aos ideais anarquistas, mais tarde associados ao emergente partido comunista. Nesse contexto surgiram as figuras de líderes operários do início do século, como o anarquista espanhol Antônio Apoitia e o mentor da organização comunista local, Santos Soares. A atuação do líder sindical Santos Soares , que viria a criar em 1918 a Liga Operária, uma das primeiras ligas comunistas do país, consolidou-se durante a primeira greve que eclodiu nos frigoríficos Armour e Wilson, a 13 de março de 1919. Santos Soares, pedreiro, nascido em Santana do Livramento, teve sólida atuação na organização dos trabalhadores locais a partir do final da década de 10. Posteriormente aderiu ao comunismo e foi figura central na luta sindical dos trabalhadores do Frigorífico Armour, da Cervejaria Gazapina e segmentos varejistas da cidade. Faleceu em 1951.
Na greve de 1919, a pauta de reivindicações exigia redução da jornada de trabalho de dez para oito horas, aumento de salários para os trabalhadores braçais e um acréscimo de 25% sobre o salário das mulheres. Também pediam a instituição de horas extras para o trabalho nos domingos ou fora de horário. O evidente desalinho entre as leis trabalhistas vigentes no Uruguai e no Brasil ganhava nova conotação no ambiente de trabalho do frigorífico. Ali, trabalhadores uruguaios, brasileiros e de outras nacionalidades submetiam-se a um ordenamento laboral arcaico.
Do outro lado da linha divisória, no entanto, os trabalhadores uruguaios viviam a plena vigência das idéias preconizadas pelo presidente José Batle y Ordóñez, que criara a partir de seu primeiro mandato, em 1903, uma série de normas legais de proteção aos trabalhadores, posteriormente reforçadas pela Constituição de 1917, que incluia jornadas de trabalho de oito horas, indenização por acidentes de trabalho, licença maternidade, proteção aos idosos e inválidos e a intermediação estatal em casos de conflitos laborais. Convém lembrar aqui, conforme aponta López, que as normas laborais uruguaias, extremamente avançadas para a época, não foram um “presente” do governo de Batlle, mas fruto de anos de lutas cruentas do movimento sindical uruguaio.

Nas fotos, uma vista aérea da Cervejaria Gazzapina nos anos 70, em seguida o líder anarquista Antônio Apoitia e o comunista Santos Soares. Para reprodução de texto ou fotos, por favor cite a fonte.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Companheiro Arlindo


“Veo aquí a un poeta que, como mas de un hombre, ejerce un atractivo mayor por sus imperfecciones que por todo lo que sale redondo y elaborado de sus manos. (,,,)
Su obra no expresa nunca plenamente lo que en suma quisiera expresar, lo que le gustaría haber visto: parece que hubiese presentido una visión, nunca la visión misma: pero en su alma permanece una sed inmensa de esa visión, y de ella extrae su elocuencia no menos inmensa, nacida del deseo y la avidez. (…)
Su gloria se beneficia del hecho de no haber alcanzado realmente su meta.”
Nietzsche – “Gaia Ciencia”
Companheiro, compañero. El que comparte el pan. El pan dialéctico de la escritura, de las manos que amasan letras e historias (y hacen Historia), levadura con feitiços y “poiesis” horneadas en la mitología fronteriza. Arlindo companheiro, padeiro, cuentacuentero de Riveramento.
En este fin de semana murió Arlindo Ferrão Coitinho. Escritor, periodista, comunista. Santanense. Nacío el 8 de octubre de 1943, en plena segunda guerra mundial.
Arlindo-compa fue peluquero (“barbeiro”), “reporter policial” de periódicos fronterizos, y cronista del cotidiano, como en su disfrutable columna: “Siga o Baile”, publicada por los diarios “A Plateia”, “Jornal da Semana” y por la desaparecida “Folha Popular”. También fue director del Museo Municipal Davi Canabarro (fundado por el historiador –documentalista Ivo Caggiani).

Arlindo-tejedor fue novelista y cuentista con más de 15 obras escritas. Y siempre con ediciones independientes, autogestionadas. “É um dos escritores fronteiriços (talvez o único) – como nos recuerda Luciano Machado en la solapa del libro “Bichicome” – que consegue sobreviver quase exclusivamente da venda de seus livros.” Conocí a Arlindo cuando el SESC - Livramento le hizo un homenaje. Yo estaba desembarcando hacia poco, y me cautivó la lectura de algunas historias o “causos” del “Edil Noventino”. Gracias a la iniciativa de Norberto (gerente del SESC en aquel tiempo) y al periodista Valente, nos juntamos con el teatrero JN Canabarro, y los actores Tito Mendes y Alejandra. A mi me tocó interpretar al edil, y así recreamos algunas de las historias inolvidables de Noventino, en una noche también inolvidable, para Arlindo, para mí, y para todos los que allí comulgamos.
Saramago fallecido hace unos días atrás, ateo practicante, y también un “comunista hormonal”, además de escritor, nos dice: “No creo en dios y no me hace ninguna falta. Por lo menos estoy a salvo de ser intolerante. Los ateos somos las personas más tolerantes del mundo. Un creyente fácilmente pasa a la intolerancia. En ningún momento de la historia, en ningún lugar del planeta, las religiones han servido para que los seres humanos se acerquen unos a los otros. Por el contrario, sólo han servido para separar, para quemar, para torturar. No creo en dios, no lo necesito y además soy buena persona.”
Arlindo-creador tenía un dios en la pluma. Debajo de sus alas salen a volar personajes entrañables como Rapadura, Coruja, Noventino, padre Cordeiro, o las putas del Caverna y fauna de bohemios del Tupinambá. Arlindo-militante anuncia y denuncia, como en el libro “E a luta, doutor!” que da cuenta de la masacre de cuatro comunistas en el Parque Internacional en el año de 1950.

Sin embargo, Arlindo-tejedor fue poco divulgado, reconocido, no era bien “tolerado” por el entramado seudo intelectual de la elite fronteriza (la que sigue campeando por estos páramos). Los seudo intelectuales, básicamente optimistas, civilizados y creyentes, siguen relamiendose en poemas edulcorados y cuentos lugar-común. Y se desentendieron de Arlindo. Siempre lo hicieron (son escasas las referencias de los intelectuales vernáculos, aunque los hay). Los “seudo” seguro, estarán pensando en como sacar partido de su partida y, maquinando algún homenaje para quedar bien con sus conciencias y mediocres vanidades. Arlindo nunca los necesitó (la frontera no los necesita, el mundo no los necesita, la literatura puede pasar sin ellos). Insisto, Arlindo no los necesita, ni ahora, ni en vida.
De su “poética” (nada académica / nada anémica): “Peço a indulgência dos leitores, quanto as possíveis imperfeições, o estilo incorreto, falhas involuntárias (…) é o meu jeito de sentir e escrever, sem preocupação de escola, mas com a convicção de não pecar nunca quanto a autenticidade e a originalidade.” (Prólogo de Arlindo Coitinho al libro “Pensionato de Bonecas”).

Crônica intitulada Companheiro, do poeta e diretor teatral Michel Croz, que gentilmente nos cedeu para esta homenagem a Arlindo Coitinho. Nas fotos, vemos o escritor em diversas fases de sua vida. Com o popular Catalino, junto ao obelisco, com os alunos da professora Zely Maciel divulgando o livro Estórias do Edil Noventino; junto ao prefeito Oriovaldo Greceller - o primeiro eleito após a ditadura - e o radialista Derli Custódio; e autografando para o saudoso "Gordo Marcelo", que manteve por muitos anos uma heróica livraria e banca de revistas na esquina das ruas Rivadávia e Uruguai.