quarta-feira, 30 de junho de 2010

As mentiras midiáticas sobre a questão palestina


O jornalista belga Michel Collon elencou as mentiras que a mídia mundial perpetuou ao longo das décadas sobre a ocupação de Israel sobre o território palestino. Veja o vídeo aqui.

domingo, 27 de junho de 2010

Adeus Arlindo !

O escritor santanense Arlindo Coitinho, que nos deixou nesse final de semana aos 67 anos, foi um mestre da narrativa e dos causos da fronteira. E a proximidade da morte desse grande literato gaúcho torna ainda mais difícil escrever um texto à altura desse momento. Difícil retratar em um singelo post o enorme talento que o obstinado artista soube verter para as páginas de seus livros. Traduziu como ninguém o espírito popular de uma fronteira singular, cheia de personagens “doble-chapas” e característicos de uma cultura híbrida, construída no dia-a-dia de convívio entre brasileiros, uruguaios, espanhóis, árabes e tantos povos que por lá aportaram.

Assim como seus tradicionais personagens – o contrabandista, as putas, os pequenos comerciantes, os políticos, os poderosos, os militantes – Arlindo foi um homem do povo. Foi pintor, barbeiro e jornalista, entre tantas atividades que desenvolveu ao longo de sua vida. Vendia seus livros de porta em porta, e também fazia a mesma peregrinação em busca de apoio financeiro para a edição. Mas isso não era muito difícil. Todos os que colaboravam com Arlindo – e eram muitos – sabiam que dali sairia mais um magnífico folhetim, que traduzia como ninguém a cultura da terra fronteiriça.

Foi assim que Arlindo criou algumas de suas mais significativas obras, como Segue o Baile, Bichicome, Habitante da Lua, Estórias do Edil Noventino, Pensão do Barroso, João Bispo, Caudilhismo, Rinhas e Machadaços; Vidas em Fronteira, Um tal Pardo Rivera, entre tantos outros livros magistrais. Quem, senão Arlindo, deixaria assinalada na memória coletiva as lembranças do povo, dos personagens que se foram, dos casos de crimes políticos e passionais de uma terra por vezes embrutecida, por vezes terna? Seus livros vão além da literatura, chegam no campo da memória e da História e a ultrapassam. O escritor Carlos Urbim, santanense e atual patrono da Feira do Livro de Porto Alegre já havia revelado sua opinião de que os livros de Coitinho eram os mais subestimados pela dita Literatura Gaúcha.

Para mim, que visitei o escritor nos seus últimos tempos, e convivi com sua família, fica difícil aqui tentar fazer um “ajuste de contas”, ou culpar meus conterrâneos pelo esquecimento do escritor nesses últimos anos. Melhor lembrar que Arlindo foi um legítimo guerreiro da cultura santanense, e por isso mesmo, universal. Fica uma extensa obra, a espera de novos tradutores. Fica a paixão do mestre pelo seu povo. Fica a gratidão e o reconhecimento dos fronteiriços anônimos por este grande escritor que foi Arlindo Coitinho!
A foto foi tirada em uma tarde fria de julho de 2009, quando Arlindo nos recebeu em sua casa no bairro Armour. Naquela ocasião conversamos sobre projetos futuros e seu texto sobre Lucio Soares Neto e a chacina dos militantes comunistas, que consta da obra É a Luta Doutor, que citei em Retratos do Exílio.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

A fronteira, entre combates e exílios

A fronteira se caracterizou desde o início da colonização por ser local de refúgio e abrigo político aos que lutavam contra o poder centralizador do Estado-Nação, que cresceria com o passar das décadas, até acabar por estrangular as tentativas caudilhescas de autonomia, como no caso dos federalistas brasileiros e blancos, uruguaios . Habitada por famílias brasileiras nos primeiros anos, uma extensa faixa uruguaia da fronteira via-se sucessivamente conflagrada por interesses contrários ora ao poder central uruguaio, ora aos ditames do Império e, mais tarde, da república brasileira. A cidadania pouco importava quando se tratava de importar homens de um lado ou outro da fronteira, e impor novos moldes sociais, conferindo assim um aspecto original dessa cultura política urdida naquela região. Em 1869, incidentes envolvendo forças políticas uruguaias, conspirando a partir de Santana do Livramento, provocaram um atrito entre o governo uruguaio e o Império, conforme assinala o historiador Anibal Barrios Pintos, em sua obra "Rivera en el ayer". O incêndio do quartel da polícia da vila de Rivera, que resultou em tiroteio e desordens, gerou a manifestação do comissário da 4a Secção de Polícia, que relatou ao seu superior, em Taquarembó, o que considerou "el echo mas barbaro por la Nación Brasilera". Na carta endereçada ao chefe de polícia, Vital Zapata, informava que, (...) la fuersa de los infames hera mayor y e sido bencido completamente derrotado con pérdida de algunos hombres que ignoro los que abran muerto como a sido de noche yo e salbado com cuatro prebiniéndole que me an incediado la guardia y salido bajo del incendio com el caballo baliado y como debo quedar reuniendo algunos hombres para sostener mi deber asta que V.E. tome sus energicas medidas en amor de la Nación de tan terrible atentado (...) O que poderia parecer um gesto de desagravo e disputa de fronteiras por parte dos brasileiros, no entanto, foi habilmente considerado pelo Império como uma situação de conflito unicamente entre forças políticas uruguaias, que se valeram da situação de fronteira para usar a cidade brasileira como um despiste. Conforme apurou o historiador santanense Ivo Caggiani, a alegação do governo uruguaio, de que um grupo de homens armados teria queimado o quartel da polícia, em abril de 1869 e mesmo assaltado Rivera em março de 1870, não foram aceitas pelo chefe da polícia riograndense, que esteve na fronteira, enviado pelo presidente da Província, para averiguar os fatos.
Texto retirado da dissertação de mestrado Retratos do exílio: experiências, solidariedade e militância política de esquerda na fronteira Livramento - Rivera (1964-1974), defendida em dezembro de 2008, no Departamento de História da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), sob orientação do prof.DR Paulo Pinheiro Machado. Posteriormente incluído no livro Retratos do Exílio, solidariedade e resistência na fronteira (Edunisc, 2009). Mapa da linha de fronteira, retirado do site do Ministério das Relações Exteriores.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Hélio Santana Alves: lembranças da luta


"Para se analisar a situação da fronteira naquela época, era como se fosse um partido só. Tanto se militava no partido brasileiro como se militava no partido uruguaio. Onde havia um ato do partido iam quase todos das duas cidades. Aos grandes atos do partido comunista brasileiro, compareciam os comunistas do partido uruguaio, e assim também do outro lado. Mas o fundamental para mim, é que o marxismo-leninismo vinha de Santos Soares, que muitas vezes dava aula no partido comunista uruguaio. Foi o único elemento que mais se aproximou do marxismo naquela época (...) Eu sempre tive, na minha concepção, que nós não entendíamos de marxismo-leninismo, nós entendíamos de esquerdismo. Marxista era esse velho, Santos Soares, que mesmo com a saúde abalada, dava orientação de cima da cama. Todos os operários de fábrica e padaria lidavam com ele. Tinha mil e tantos operários militantes, entre o Armour, a Padaria Aragonez e outras, uma quantidade enorme. Foi um baluarte das lutas políticas entre Santana do Livramento e Rivera. Tinha uma biblioteca marxista, que era notável que um operário tivesse uma biblioteca tão perfeita!"
Hélio Santana Alves (foto) foi militante do Partido Comunista Brasileiro, desde 1946, quando deixou a propriedade rural da família e juntou-se a luta do operariado de Santana do Livramento e Rivera. Sobrevivente da chacina que vitimou quatro militantes comunistas em 1950, manteve-se ligado aos preceitos comunistas até sua morte, aos 96 anos, em 2008. Neste depoimento, ele relembrou a figura do líder Santos Soares, organizador do operariado da fronteira. Texto originalmente publicado em Retratos do Exílio, solidariedade e resistência na fronteira (Edunisc, 2009).

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Lucio Soares Neto, Piu Avanti !

O advogado Lúcio Soares Neto, participava com outros companheiros da manifestação anti-americana, que culminou com a morte de quatro militantes comunistas. No entanto, no enfrentamento com a policia Lúcio foi ferido. Logo após o fim do tumulto, o militante conseguiu atravessar a linha de fronteira, pondo-se a salvo na casa de seu companheiro Chiquinho Cabeda, que vivia do outro lado do Parque Internacional. Mesmo tendo se refugiado com o auxilio do Partido Comunista, por cerca de três anos no território uruguaio, o advogado revoltado com o desencadeamento dos acontecimentos, abandonou os quadros do PCB. Lúcio relembrou as cenas do fatídico dia, como também os desdobramentos políticos daquele período:
"Sim, fomos para rua pintar "Viva a democracia" e "Fora o facismo" que estava em época. A perseguição era muito mais forte, naqueles anos, agora não há perseguição. E nessa época deve-se considerar as contradições que existiam entre a União Soviética, e as contradições do capitalismo que eram agudíssimas, os extremos[...]Na época, o medo era grande, era o povoar de coisas que levavam ao choque e essa foi a época que deu-se isso e conseqüentemente os grupos políticos seguiram o sistema. Realmente eu, após a chacina, eu chamo isso de chacina, eu deixei de militar. Em primeiro lugar, eu fiquei foragido em Rivera, mais ou menos dois ou três anos, sem atravessar para cá, porque se passasse eu seria preso, então passado esse tempo mais ou menos, eu me apresentei, fui ao quartel e me submeti a um julgamento, o juri se fez e eu fui absolvido unanimemente. Os meus advogados de defesa da época, foram o dr. Dorneles e o dr. Guazelli, no ano de 1955 [...] O Uruguai, garantia a segurança, o Uruguai sempre garantiu a segurança das pessoas. Então eu tava num café, no Uruguai, e a polícia passava e ficava olhando e não faziam nada. É isso. E o Brasil sempre respeitou o Uruguai, isso é um aspecto muito interessante. Eu deixei de ser comunista depois da chacina, faz muito tempo, (melancólico) mas sempre me mantive alerta na justiça, Piú Avanti, Piú Avanti! " (...)
Lucio Soares Neto (na foto, com Liane) foi uma das figuras de ponta na organização do movimento operário santanense, em especial após a morte de Santos Soares. Neste depoimento, o brilhante advogado criminalista e político relata os acontecimentos de setembro de 1950. Nos recebeu em 22 de janeiro de 2005, em seu apartamento, poucos meses antes de falecer. Mesmo com a voz debilitada, notava-se a intensidade de sua vitalidade intelectual. Lucio foi um homem que lutou por seus ideais e não se entregou nem mesmo ante a iminência da morte.
Mais sobre Lucio em: Dicionário Ilustrado da Esquerda Gaúcha; e Comunistas Gaúchos; ambos do historiador e jornalista João Batista Marçal, encontráveis nos sebos virtuais e nas boas livrarias, como a Palmarinca e Martins Livreiro, em Porto Alegre.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Demônio "noqueia" no terceiro round


"Depois do teatro, eu comecei na luta, a luta livre, já tava barbado, eu só lutava, eu tinha um empresário, porque todo artista tem que ter um empresário e ele tem que ser bom. Eu lutava com tudo que viesse [...] Aqui em Livramento, era no Ginásio Irajá, e nos circo também que vinham assim, nós lutava. No circo, na quadra do Irajá, quando era no Irajá, vinha gente de fora, vinha gente da Brigada Militar, volta e meia chegava gente de fora né? Vinha de todo o lugar, vinha assim, do Uruguai, da Argentina. Pois a luta mais difícil que eu encontrei foi em Buenos Aires, com o Pascoal Perez, ele era segurança do governador, Perón, do Presidente, é. Aquele foi difícil, ele era um cara que vivia só para aquilo também né? Que vinha treinando, treinando, e era bom brigador. Eu fui ganhá dele no terceiro ou quarto round, porque ele quis dá espetáculo, dá show, e deu uma bobiada aí eu noquiei ele"

Davi Martins, o popular Demônio, foi de tudo na vida. Artista de circo, lutador de boxe e luta livre, dono de cabaré no Prado. Neste relato, ele relembra o tempo heróico das lutas. A foto foi tirada em 2004, Demônio faleceu no ano passado. Texto publicado em Memórias Boêmias - histórias de uma cidade de fronteira (Edunisc, 2008).

domingo, 6 de junho de 2010

A versão de Eustáquio Apoitia sobre a chacina


"Tinha o Ary, mataram, eu conheci eles todos. Quem mandou matar? Foi a burguesia. Quem mandou não apareceu matando, só dizem que os comunistas inventaram de reagir contra a polícia[...]eu tava em Rivera aquela noite, quando eu vinha subindo começou o tiroteio, eu vinha com quatro e nos disseram prás banda da linha - vocês se escondam, porque tão matando os comunistas, mataram três ou quatro lá, bem na frente doTupinambá, alí . Nós vinha bem na esquina de Rivera, na linha, subindo ali, nós tinha ido comer na Cueva, e nós vinha vindo pro comício, mas não chegou a haver nada de comício, claro. O Ari Kulmann tinha uma pensão, a pensão da Dona Maria, ali na linha, ele foi o primeiro que morreu. E veio um do Armour que morreu, o Aladim Rosales. Tinha um morto no café Tupinambá E daí eles levaram eles pra Santa Casa, todos eles mortos e lá atiraram, como bixo, e não deixaram ninguém ver. Ai todos nós do partido fomos pra frente da Praça de Esportes, e ali juntamo um grupo de gente de ponta a ponta da praça, então eles marcaram o enterro. Então botaram eles no caixão e não deixaram se despedir de ninguém! Depois que sepultaram deixaram entrar no cemitério, mas aí, não adiantava mais nada, nós sem arma, o que ia adiantar? Os caras armado com mosquetão! Depois fizeram processo e veio gente daqui e dali, bons advogados, mas não adiantou nada! A policia toda foi absolvida e o brigadiano promovido, sabe o que é isso?"
O depoimento do construtor e militante do PC santanense Eustáquio Apoitia , filho do líder anarquista espanhol, Antônio Apoitia, joga novas luzes sobre o episódio do massacre do Parque Internacional. Na foto histórica, do acervo de Perseverando Santana, os companheiros visitam o túmulo dos militantes assassinados, 10 anos depois, em companhia de Luis Carlos Prestes, líder máximo do partido. Na foto, a partir da esquerda: Padilha, Ari Saldanha, Pedro Peres, Ângelo Cabeda, Luis Carlos Prestes, Eustáquio Apoitia e Cursine. Publicado em Memórias Boêmias, histórias de uma cidade de fronteira (Edunisc, 2008).