quinta-feira, 27 de março de 2014

Um diretor latinoamericano



O cinema entrou na  vida do consagrado diretor argentino Gerardo Vallejo (1942-2007) de uma maneira inusitada. Aos 12 anos, um incêndio destruiu a casa onde vivia com os pais e dois irmãos, em Tucumán. De repente a família teve de procurar abrigo em um clube da cidade, vizinho a um cinema chamado Broadway, onde o menino passou a assistir quase 10 horas de filmes por dia, fazendo bico como como auxiliar de projecionista.
"Comecei a ser diretor graças a essa tragédia". Mais tarde, quando costumava viajar até Buenos Aires, atravessando o país a bordo do trem "Estrella del Norte", o futuro documentarista descobriu os trabalhadores "andorinhas", que se deslocavam pelo país atrás de emprego. "Percebi que aquelas pessoas, que efetivamente produziam a riqueza do país, não tinham voz política e muito menos no cinema argentino. O cinema argentino para mim era uma mentira, e a imagem da Argentina de então era só Buenos Aires".
Foi a partir dessas conclusões que em 1968 ele começou a filmar seu primeiro longa metragem, com uma câmeras Rolex a corda, chamado "El camino hacia la muerte del viejo Rosales", considerado hoje um dos maiores clássicos do cinema documental latino-americano. Em 1971 o filme quase foi queimado por um general censor, mas acabou salvo pelo diretor de um laboratório e enviado a Itália, onde foi finalmente concluído. Os contratempos do diretor com a repressão, no entanto, apenas começavam.
Em dezembro de 1974, um atentado a bomba por pouco não destrói sua família. A saída foi a fuga para o Panamá e posteriormente Espanha, onde desenvolveu ainda mais a técnica, condição que sempre julgou imprescindível a um cineasta.
"Existem três elementos que não podem falhar em um grande filme: a narrativa, o ideológico e a poética". Adepto das narrativas épicas e populares, Gerardo Vallejo defendia o domínio da linguagem e do fazer cinematográfico como algo adquirido na prática. "Um velho sábio dizia que nada de virtuoso se faz facilmente, e eu acrescento que uma coisa é fazer filmes, outra é fazer cinema". "É preciso saber usar a luz de uma maneira mágica, poética, temos que saber que o enquadramento é virtual, os detalhes podem contar mais, pois a realidade cinematográfica não tem nada a ver com o real”.
Sobre atores: “Nunca se deve repreender um ator na frente da equipe, e nunca ofender um não ator que eventualmente esteja se saindo mal em um documentário”. “Temos de lembrar que um filme deve ter uma estrutura com começo, meio e fim. Mesmo que se queira começar pelo fim".
Conheci Vallejo em uma dessas oficinas impagáveis que só o FAM – Florianópolis Audiovisual Mercosul, festival de cinema latino, ancorado em Floripa, nos proporciona. Lembro de sua frase de encerramento de um dia de trabalho: "Nunca  traiam seus ideais, todos somos poetas e artistas, só temos que descobrir isso em nós".    

Por Marlon Aseff.