O cinema entrou na
vida do consagrado diretor argentino Gerardo Vallejo (1942-2007) de uma
maneira inusitada. Aos 12 anos, um incêndio destruiu a casa onde vivia com os
pais e dois irmãos, em Tucumán. De repente a família teve de procurar abrigo em
um clube da cidade, vizinho a um cinema chamado Broadway, onde o menino passou a assistir
quase 10 horas de filmes por dia, fazendo bico como como auxiliar de projecionista.
"Comecei a ser diretor
graças a essa tragédia". Mais tarde, quando costumava viajar até Buenos
Aires, atravessando o país a bordo do trem "Estrella del Norte", o
futuro documentarista descobriu os trabalhadores "andorinhas", que
se deslocavam pelo país atrás de emprego. "Percebi que aquelas pessoas,
que efetivamente produziam a riqueza do país, não tinham voz política e muito
menos no cinema argentino. O cinema argentino para mim era uma mentira, e a
imagem da Argentina de então era só Buenos Aires".
Foi a partir dessas
conclusões que em 1968 ele começou a filmar seu primeiro longa metragem, com
uma câmeras Rolex a corda, chamado "El camino hacia la muerte del viejo
Rosales", considerado hoje um dos maiores clássicos do cinema documental
latino-americano. Em 1971 o filme quase foi queimado por um general censor, mas
acabou salvo pelo diretor de um laboratório e enviado a Itália, onde foi
finalmente concluído. Os contratempos do diretor com a repressão, no entanto, apenas
começavam.
Em dezembro de 1974, um atentado a
bomba por pouco não destrói sua família. A saída foi a fuga
para o Panamá e posteriormente Espanha, onde desenvolveu ainda mais a técnica,
condição que sempre julgou imprescindível a um cineasta.
"Existem três
elementos que não podem falhar em um grande filme: a narrativa, o ideológico e
a poética". Adepto das narrativas épicas e populares, Gerardo Vallejo
defendia o domínio da linguagem e do fazer cinematográfico como algo adquirido
na prática. "Um velho sábio dizia que nada de virtuoso se faz facilmente,
e eu acrescento que uma coisa é fazer filmes, outra é fazer cinema". "É
preciso saber usar a luz de uma maneira mágica, poética, temos que saber que o
enquadramento é virtual, os detalhes podem contar mais, pois a realidade
cinematográfica não tem nada a ver com o real”.
Sobre atores: “Nunca se
deve repreender um ator na frente da equipe, e nunca ofender um não ator que
eventualmente esteja se saindo mal em um documentário”. “Temos de lembrar que
um filme deve ter uma estrutura com começo, meio e fim. Mesmo que se queira
começar pelo fim".
Conheci Vallejo em uma
dessas oficinas impagáveis que só o FAM – Florianópolis Audiovisual Mercosul,
festival de cinema latino, ancorado em Floripa, nos proporciona. Lembro de sua
frase de encerramento de um dia de trabalho: "Nunca traiam seus ideais, todos somos poetas e
artistas, só temos que descobrir isso em nós".
Por Marlon Aseff.
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