Em
Santana do Livramento, a eleição do petebista Sérgio Fuentes – o Índio Fuentes
- para a prefeitura municipal significava uma ruptura no equilíbrio da política
local. Embora não fosse novidade um prefeito petebista, Fuentes gozava de forte
apoio popular e tinha ligação com setores progressistas do Governo Goulart, que
poderiam desdobrar-se em ações ainda não mensuradas totalmente pela elite
local, caso o governo federal levasse adiante os programas de reformas.
Ex-combatente da mitológica “Divisão de Sant’Ana”, força revolucionária que se
levantou contra a reeleição de Borges de Medeiros em 1923, herdeira dos ideais
maragatos da revolução federalista, era contabilista e jornalista, diretor do
prestigiado jornal Folha Popular.
Com o golpe
já em andamento, nos primeiros momentos do dia 1º de abril, Sérgio Fuentes (foto)
decide dispor a Prefeitura Municipal como sede da resistência. No saguão do
prédio é instalado um transmissor de rádio, doado por militantes comunistas de
Rivera. Para lá dirigem-se representantes sindicais, jornalistas, ativistas
políticos e simpatizantes do governo deposto. A ocasião estava carregada de um
simbolismo sombrio, pois na tarde de 31 de abril falecia o ex-prefeito e
baluarte do trabalhismo santanense, João Souto Duarte. A Rádio Cultura sai do
ar em homenagem ao filho ilustre, mas na mesma faixa de sinal passa a irradiar
a rádio clandestina. Nas lembranças do jornalista Elmar Bones, a cena da
primeira resistência surge em todas as suas cores,
(...) com o auxílio do partido comunista de Rivera, alguém conseguiu, não sei quem, veio a informação de que tinham conseguido um transmissor de rádio. E que era um transmissor que tinha uma potência que dava para colocar em cima da rádio local, e passar a fazer uma pregação, chamar a população para as ruas, porque ninguém sabia o que estava acontecendo, tinha um zum-zum-zum que já tinham dado um golpe, que o Jango já tinha sido derrubado, mas tinha uma boataria enorme dizendo que não, que o Jango estava no Rio Grande, que iria resistir e tal, aí nós fomos para a prefeitura, o pessoal veio, trouxeram esse técnico, trouxeram esse transmissor numa camioneta, entraram pelos fundos da prefeitura, que a prefeitura era do PTB, era do Sérgio Fuentes, e instalaram esse transmissor, e no saguão da prefeitura ficou um estúdio de rádio. E aí as pessoas se revezavam fazendo pronunciamentos. Então a gente botava a rádio no ar, em um horário assim, meio-dia, que é um horário que todo mundo tá ouvindo a rádio, botava em cima da rádio local, da Cultura, e metia discurso, convocando os estudantes...eu, o Ruschel, o Kenny falava, convocando os estudantes, convocando os jovens....aí vinha outro e convocava os camponeses. Chegou a durar um dia... até que no dia seguinte de manhã o exército descobriu. E lacrou tudo. Quando nós estávamos lá dentro o exército chegou e cercou a prefeitura com um aparato de guerra.
Em 1964, os jornalistas Elmar Bones e Kenny Braga eram estudantes e ensaiavam os primeiros passos na redação do jornal A Platéia, que lhes serviria de escola para a profissão que iriam abraçar com êxito dali em diante. Kenny lembra de personalidades afinadas ideológicamente com o grupo estudantil, que desenvolviam amplo diálogo político e literário, em tertúlias e reuniões informais. Uma delas era o então juiz de direito em Santana, José Paulo Bisol. O outro era o professor de literatura e escritor Alfredo Paiva. O pecuarista e membro do PCB local, Perseverando Santana também recorda da ativa participação do Bisol nos meios da esquerda local, onde freqüentava, em Rivera, a casa de Aquiles Santana, ativo membro do PCB santanense. No dia do golpe, estiveram reunidos mais uma vez, conforme recorda Perseverando,
“ Eu, em
seguida imediato ao golpe fui pra a prefeitura, por recomendações do Bisol. Tínhamos
um grupo de esquerda...e ele tava aqui na época, até foi impedido de embarcar
no aeroporto..E teve lá na casa do Aquiles, até conversei com ele lá na casa do
Aquiles, e ele aconselhou que viéssemos por precaução. Era juiz. E tinha
contatos com o partido, um sujeito muito talentoso, brilhante, fazia
tertúlias literárias. E a prefeitura era do Sérgio Fuentes, um sujeito de muito
valor. Era maragato, trabalhista. Mas um sujeito que não tinha restrições com
esquerda, progressista.....uma coragem tremenda. Então nós fomos lá para a
prefeitura, eu, o Chico Cabeda, tava esse Danilo Ucha, que pertencia a esse
grupo que o Brizola meio influenciava, dirigia...E o Bisol tava na prefeitura.
Ficamos conversando e tudo, e o Índio ali. Botou alto-falante, reunir o povo,
resistir, essas coisas toda. Dali a um pouco, a gente sentiu que já não tinha
mais resistência, e cada um tomou seu rumo. Tava todo mundo...tava o Marcos, o
Aquiles, o Dalto, um paraguaio que tinha aí, médico...tanto é que ele nos
aconselhou: - todos pra Rivera!”
Homem identificado com os ideais getulistas desde a revolução de 30, posteriormente ligados a vertente petebista, Sérgio Fuentes anotava suas convicções desde o primeiro editorial da Folha Popular, jornal por ele criado no alvorecer do Estado Novo, em dezembro de 1937: “terminada como está a luta política, por força da dissolvição dos partidos – áto altamente patriótico do Grande Presidente Dr. Getúlio Vargas – o nosso jornal se dedicará exclusivamente a noticiar os fatos importantes que se desenrolam diariamente na vida da comuna, do Estado e do Paiz”.
Na edição do dia 3 de abril, junto com o anúncio do fim da resistência legalista, a Folha Popular registrava a reação das forças políticas municipais, sob o comando do prefeito Sérgio Fuentes:
Homem identificado com os ideais getulistas desde a revolução de 30, posteriormente ligados a vertente petebista, Sérgio Fuentes anotava suas convicções desde o primeiro editorial da Folha Popular, jornal por ele criado no alvorecer do Estado Novo, em dezembro de 1937: “terminada como está a luta política, por força da dissolvição dos partidos – áto altamente patriótico do Grande Presidente Dr. Getúlio Vargas – o nosso jornal se dedicará exclusivamente a noticiar os fatos importantes que se desenrolam diariamente na vida da comuna, do Estado e do Paiz”.
Na edição do dia 3 de abril, junto com o anúncio do fim da resistência legalista, a Folha Popular registrava a reação das forças políticas municipais, sob o comando do prefeito Sérgio Fuentes:
Em
Livramento - S. Fuentes Campeão da Legalidade –
Quando as primeiras horas da manhã de quarta-feira foi conhecida a notícia de
que a forças rebeldes em Minas Gerais haviam iniciado um movimento subversivo
visando depor o presidente constitucional, dr. João Goulart, o prefeito
municipal jornalista Sérgio Fuentes compareceu ao palácio intendencial, onde
após convocar seus assessores instalou uma frente de resistência ao
golpe. Imediatamente a prefeitura transformou-se no centro de todas as atenções
da cidade, tendo a Rádio Cultura passado a transmitir diretamente de seu
gabinete na Prefeitura Municipal, integrando-se na “cadeia da legalidade”
liderada pelo valoroso e destemido deputado federal Leonel Brizola. A vigília
cívica contou com o apoio integral da maioria da população santanense que
independente de qualquer chamamento foi levar ao prefeito trabalhista o
conforto moral na hora dramática em que os alicerces da democracia foram
sacudidos pelo movimento golpista. Aproximadamente ao meio dia de ontem um
contingente da Guarnição local compareceu a Prefeitura de onde requisitou os
transmissores da Rádio Cultura, que saiu do ar.
Da
tribuna da Folha Popular, Sérgio Fuentes (foto) deu voz aos movimentos que se
colocavam frontalmente contra o golpe no calor dos primeiros momentos. Ainda no
dia 3 de abril, logo após os incidentes ocorridos na Prefeitura, o jornal
insuflava a resistência, buscando apoios e listando manifestações contrárias ao
levante, noticiando fatos como uma passeata dos estudantes uruguaios em favor
do governo Goulart.
Estudantes
Uruguaios Fizeram Passeata de Repúdio ao Golpe e Em Favor de JG
Montevidéu,
3 (FP) – Portando cartazes que taxavam os militares que depuseram o presidente
João Goulart de “gorilas” e que diziam ainda reconhecer em João Goulart o
presidente constitucional e legal de todos os brasileiros, uma grandiosa
manifestação dos estudantes uruguaios foi realizada nas primeiras horas da
noite de ontem, pelas principais ruas da capital uruguaia. A cidade que vive em
clima agitado e de espectativa desde o momento em que foi anunciado que o
presidente brasileiro João Goulart, se dirigia para Montevidéu, assistiu uma
grandiosa manifestação estudantil que foi acompanhada de perto por forte
dispositivo policial, que se limitou apenas a acompanhar o desenrolar pacífico
da passeata. Durante toda a tarde de ontem e as primeiras horas de hoje o povo
aguardou nas ruas a chegada do primeiro mandatário do Brasil, ao qual – caso se
confirmasse sua vinda para território uruguaio – seria recebido ainda como
chefe de Estado e lhe seria tributada uma recepção popular digna do prestígio
que goza em todo o Uruguay.
Em rápidas
pinceladas, o repórter uruguaio descreve um prefeito envolto pelas pesadas
circunstâncias da hora: El Prefecto Fuentes, un hombre de edad, enjuto y
pequeño, decidido “legalista”, hablaba descorazonado: “Tudo não ha sido mais
que un bluff” O correspondente do jornal
uruguaio El Pais estava com Sérgio Fuentes no dia 3 de abril na Estância
Carpinteria, na localidade uruguaia de Vichadero, cerca de 200 quilômetros da
fronteira, ainda no município de Rivera. Ali, levados pelo petebista, estavam
um forte efetivo de policiais e repórteres de Santana e Montevidéu, a espera da
provável chegada de João Goulart, em fuga das terras brasileiras. O bluff
poderia ter sido obra do acaso, ou armado por Fuentes, soldado petebista e que
muito improvavelmente acionaria a polícia uruguaia e as atenções dos golpistas
para o encontro com Jango. Um despiste parece ter sido o episódio da Estância
Carpinteria, muito embora não possa ser comprovado . Os jornalistas não
escondiam a decepção, conforme anota a crônica do EL PAIS: “Doscientos
kilómetros de intransitable camino y una espera de horas para localizar
al doctor joão Goulart”.
(texto extraído do livro Retratos do Exílio - solidariedade e resistência na fronteira. Marlon Aseff)
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