A sessão plenária da
Câmara de Vereadores do dia 9 de junho de 1969 ficaria marcada na história de
Santana e especialmente do advogado Antônio Apoitia Neto como um acerto de
contas com a ditadura militar. O Ato Institucional Nº 5 havia decretado o
fechamento do Congresso Nacional e o recesso das assembleias legislativas
estaduais e câmaras municipais, entre inúmeros outros gestos de arbítrio, como
fim do habeas corpus e instauração de censura prévia nos meios de comunicação.
Nesse ambiente de extrema tensão, Apoitia iria fazer ouvir sua voz pela última
vez no parlamento municipal. Único vereador santanense cassado pelo ato
ditatorial, o advogado criminalista, recentemente falecido, fazia parte de um
conhecido grupo de combatentes políticos marcados pela resistência ao golpe. Segundo
vereador mais votado para a legislatura 1969/1972, egresso das fileiras
comunistas, assumia a vereança em uma bancada majoritária do MDB, que não
poupava críticas ao recém-empossado interventor municipal, o general Antônio
Moreira Borges.
Na sessão de posse do
interventor santanense, Apoitia já tinha ousado quebrar o protocolo e tomar a
palavra, afirmando com ênfase suas posições nacionalistas, que batiam de frente
com as diretrizes da “revolução”. Selando
definitivamente sua sorte, pediu a palavra e falou diretamente ao interventor,
investido pelos votos que recebera. “Continuo
mais nacionalista do que antes, porque quero ver a pátria brasileira livre da
espoliação dos grupos econômicos norte-americanos que espoliam não só a nossa
Pátria mas a toda a América Latina, todo o terceiro mundo”. Mais do que suas posições contrárias ao AI5,
Antonio Apoitia já estava “marcado na paleta”, como diz o linguajar gaúcho,
devido a sua conhecida militância no sindicato dos bancários de Porto Alegre e
a intensa colaboração no trânsito de exilados pela fronteira, nos anos que se
seguiram ao golpe.
"O Apoitia era conhecido como a voz das
ruas, porque ficava dias escondido em um sótão que existia no sindicato, à
salvo da repressão, convocando os companheiros por um sistema de alto-falantes
colocado nas esquinas", lembra o companheiro de sindicato e
ex-governador do Rio Grande do Sul, Olivio Dutra. Devido a militância, em
novembro de 1964 foi sequestrado pelo Dops gaúcho e permaneceu encarcerado
durante 30 dias na penitenciária estadual, sem saber se dali sairia vivo. Após
o intenso período de tortura psicológica, vivendo em condições sub-humanas, foi
libertado e voltou para fronteira, onde perfilou-se na ala dissidente do PCB,
que buscava uma reação armada ao golpe. Com o aprofundamento da repressão
passou a trabalhar nos bastidores, vivendo em Rivera, fazendo a vez de “pombo
correio”, sempre que fosse preciso. Amaury Silva, Cláudio Braga, Leonel Brizola
e o presidente deposto, João Goulart, faziam parte da rede de exilados
auxiliados por Apoitia. “Eu tinha um amigo na policia de Rivera, e
entrava no Uruguai com uma identidade falsa, onde eu tinha o nome de Antonio
Almafuerte, que foi inspirado em um poeta argentino”, costumava lembrar.
Atuando junto ao advogado uruguaio Adán Fajardo, Apoitia iria conviver
intensamente com o colega e exilado político Tarso Genro, que recentemente
lembrou do amigo como uma pessoa “imprescindível” e “militante político de primeiro nível”.
Oriundo
de uma família de raízes anarquistas e comunistas, Apoitia foi resgatado – aos
dois anos de idade - de um incêndio, que consumiu a panificadora de seus pais,
na atual esquina das ruas General Câmara e Hugolino Andrade. Herdeiro de uma
tradição libertária, o advogado iria atravessar os anos de repressão com um
prestígio intocado, coroado pela eleição a vice-prefeito na chapa do radialista
Oriovaldo Greceller em novembro de 1985. Exemplo para toda uma nova geração de
políticos da fronteira, Antonio Apoitia abdicou até mesmo da vida pessoal para
dedicar-se a luta política e a solidariedade.
Texto e foto: Marlon
Aseff
publicado originalmente na terceira edição de Almanaque Santanense
publicado originalmente na terceira edição de Almanaque Santanense
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