Os
espaços nunca são inocentes, tem memória, a nossa, individual, e a coletiva, que
vão se acumulando através de episódios significativos da história, de expressões
arquitetônicas e literárias. Conforme abordam os estudos sobre memória coletiva de Maurice Halbwachs e Pierre Nora,
os lugares da memória são como um palimpsesto.[1] Ou
seja, os pergaminhos gregos utilizados para escrita. Reutilizados, sobrepostos
estão a outros, conforme o tempo os vai apagando, vão surgindo vestígios
daqueles que ainda estão lá, que não se apagaram completamente. No entanto, estão todos lá acumulando
historicidade como o pergaminho que se raspa para novamente escrever deixando
as camadas com a escrita anterior nítida.
Embora
assegure lugar na história, a memória, no entanto, exige cuidado, pois às vezes
coloca relatos forjados no presente a
partir de interesses e julgamentos morais. Desta forma os espaços, paisagens,
cidades, pessoas, se configuram à medida que “nós escrevemos ou apagamos” as
lembranças que estão dentro da memória coletiva. Precisamos olhar esse espaço
transformado, destruído, desgastado pelo tempo, a cidade do passado. Foi com essa intenção que investiguei as origens
do espaço que hoje denominamos Parque Praça Internacional em minha pesquisa
sobre o lazer fronteiriço.
A Praça Internacional, mais conhecida na fronteira como o Parque Internacional, está localizada no
centro das cidades de Santana do Livramento e Rivera. Em 1851 foi assinado o Tratado de Limites
entre o Uruguai e Brasil, definindo-se a necessidade de demarcação da linha de
fronteira entre a localidade de Serrilhada e Masoller. Também foi definida a
instalação de marcos delimitadores na extensão de toda fronteira
brasileiro-uruguaia Mais tarde na década de 1910, a demarcação na região onde
atualmente está instalada a Praça Internacional foi realizada de maneira
distinta das outras.
Conforme
escreveu o historiador Ivo Caggiani, a praça foi criada com objetivo de
substituir o usual “divisor de águas” comumente utilizado para definir e marcar
o território de fronteira: “tal método demarcatório é estabelecido pela própria
natureza, quando a água da chuva, ao cair, corre uma parte para cada lado,
determina a linha por onde deve passar a fronteira”. No entanto na região da
futura praça, ao contrário de áreas rurais e periféricas, não foi possível
instalar balizas divisórias. No espaço de aproximadamente quatro quilômetros
havia construções dos dois lados que excediam a linha de fronteira. O local que
divisava as casas era constituído de um terreno irregular, arenoso e com mato
fechado, que ao centro abrigava uma pequena lagoa. Era o Areial ou tierra de nadie, como era chamado pela comunidade fronteiriça, que
se valia do local para uma série de atividades ligadas ao esporte e lazer.
A
história de sua criação teve vários protagonistas, foram muitos encontros
diplomáticos até a conclusão do projeto que vemos hoje. Em 1919, reuniram-se
para definir os limites fronteiriços os diplomatas chefes da Comissão Mista de
Limites, o uruguaio Virgílio Sampognaro e o brasileiro, ministro Mariscal
Botafogo. Em 1924, na cidade de Montevidéo, em uma reunião, os dois diplomatas
teriam acordado o projeto da praça comum aos dois países, determinando que no
centro dela estivesse um grande marco decorativo. Em 1925, os diplomatas reunidos
em Santana do Livramento, determinaram dar continuidade a construção deste espaço internacional.
Surgiu a ideia de um projeto de revitalização daquele espaço: uma praça
moderna, com arquitetura arrojada que servisse as duas comunidades,
acompanhando a urbanização da região Entretanto após várias negociações e
concepções arquitetônicas apresentadas, o projeto definitivo apareceu mais de
uma década depois, em maio de 1938, em Rivera. O projeto urbanístico atual
chegou pelas mãos do arquiteto riverense vinculado à Intendência, o maçon
Modesto Paez Seré, que buscava traduzir a unidade e irmandade cultural das cidades, inspirados em símbolos deliberadamente
maçons. O projeto estava em sintonia com os ideais dos governos uruguaio e
brasileiro no momento de sua criação, pois a praça foi “construída para dividir
e unir estas cidades”. Um projeto
gestado para marcar a história urbanística da região que posteriormente
serviria de modelo para outros países, pois se dedicava a acentuar a irmandade
entre os povos. [2]
Lembrando novamente que os espaços não são
inocentes, que tem interesses e memórias distintas, Fernando Aínsa alerta que
podemos descobrir “ consternados, que o triunfo de la ideologia intenta ser la
medida de la memoria seletiva que
controla y jerarquiza” [3] Assim
a Praça Internacional foi inaugurada em 26 de fevereiro de 1943, quando o mundo
ainda vivia os horrores da Segunda Guerra Mundial. O espaço comum, sugerido
pelo ministro Vigílio Sampognaro foi constituído para “todo él brasileño, todo
él uruguayo”, ou seja, livre de divisas entre os dois países em um mesmo
espaço. Assim, quando penetramos neste espaço, não estamos em um “lado
brasileiro” ou em um “lado uruguaio” estamos dentro dos dois países ao mesmo tempo. [4]
Por muito tempo a comunidade e turistas que visitaram e continuam visitando
a fronteira, levados muitas vezes, pelo senso comum divulgado pela publicidade
e mídia, tiveram essa imagem equivocada.
O
antigo Areial, transformado em um ambiente dotado de uma estética
contemporânea, obedecia a um impulso modernizador dos grandes centros urbanos,
ao mesmo tempo em que indicava ao mundo o exemplo ”de civilidade, fraternidade
e igualdade entre as nações”, conforme informavam artigos da época. Por outro
lado, convém aqui lembrar o cenário cultural daquele momento, determinando
expectativas em torno do conceito do novo, do moderno. A palavra se encontrava
impregnada no imaginário da sociedade brasileira em contraposição a tudo que
remetesse ao que era antigo, ou seja, em um passado recente. No momento que as
autoridades diplomáticas decidem-se pela construção do espaço, podem-se
verificar mudanças de hábitos e comportamentos nas comunidades: da emergência
do automóvel em substituição as antigas volantas, o calçamento das ruas centrais
em troca “das antigas ruas empoeiradas,” a abertura de novas e largas avenidas,
as lojas amplas e envidraçadas, enfim ocorre uma mudança de costumes. No
cenário brasileiro, portanto, o conceito de que o novo substitui o antigo, originou-se
nos primeiros anos da república brasileira através de ações dos governantes
militares positivistas impregnados com a filosofia de Augusto Conte. Ocorre um
remodelamento nos centros urbanos, apagando os vestígios da feição colonial nas
cidades. Na fronteira, a partir dos anos 40 aparecem discursos que se
constituem entre conflitos e diferenças culturais, reservando ao novo espaço o
símbolo da paz.
Em
minha visão, o imaginário da comunidade fronteiriça é impregnado por um
discurso unificador das nacionalidades que se constituem entre conflitos e
diferenças culturais estabelecidos pelos interesses dos governantes e imprensa
local. Na
fronteira, observa-se o empenho dos governos municipais em promover uma
campanha de revitalização dessa região comum às duas cidades. As primeiras
décadas do século XX haviam sido de crise econômica e social na região. É dada
a largada para algumas políticas direcionadas ao desenvolvimento do setor
turístico local. Observamos algumas leis riverenses instituídas na década de
1930:[5]
Ley de creación
de "ciudad de Turismo": 22 de diciembre de 1936. En 1938: primera
excursión "fonoeléctrica". Eran trenes donde se escuchaba música
durante el viaje, toda una novedad. En enero de 1941
se formó la Comisión de Fiestas y Turismo. En enero de 1942 se inaugura el Club
Uruguay. En agosto de 1942 el Casino. En febrero de 1943, inauguração do Parque
Internacional e a revitalização do comércio do Largo Internacional.
Em
Santana do Livramento, surgem várias salas de cinema, após a Segunda Guerra os
passeios tradicionais da população abandonam a Praça Gal. Osório e procuram às
ruas amplas da vizinha Rivera, A calle Sarandi com seu aspecto largo, arrojado,
cativa os jovens aos passeios dominicais a peatonal
e seus cafés, cinemas, lojas e novas lanchonetes. Nelson
Moreira observa em seu livro sobre a construção do passeio que a vida urbana fronteiriça nos anos 40 em nada
se assemelhava com a realidade dos anos 20 quando foi proposta a construção.
Embora o projeto do arquiteto Paes Seré fosse o mesmo aprovado em 1938, com
“leves modificações’, as cidades haviam se modificado, se urbanizado: “A população
flutuante se destacava na paisagem fronteiriça, a frequência de aeronaves e empresas
interdepartamentais de ônibus”, excursões fonoelétricas faziam crer que “ havia
uma fronteira pujante, em que já sobrava e molestava o Areal”[6]
Em
meados de 1941, finalmente, após anos de debates, reuniões diplomáticas e sete
ou oito projetos oficiais, emergem dos gabinetes a concepção arquitetônica que
temos atualmente. Infelizmente neste mesmo, faleceu o arquiteto mentor da Praça
Internacional. Contudo, em abril de 1942, após a assinatura da ata de
inauguração dos trabalhos pelos representantes oficiais dos presidentes da
república uruguaio e brasileiro, iniciaram as obras de construção do espaço. A remodelação acontecia também no entorno da
nova praça. Nas ruas centrais de Rivera, o reboliço estava na concretagem das
ruas centrais, no corte dos nostálgicos plátanos, tão estimados e cantados por
Olyntho Maria Simões e Agustin Bisio. “Desaparecia assim uma rua aldeã e em seu
lugar se abria uma rua ampla e concretada, com veredas novas e amplas. Em um
ano se apagou uma época, ainda que a novela postergasse a nostalgia por
bastante tempo” relatou Nelson Moreira. Havia consternação com os cortes dos
plátanos e o Areial, contudo as obras seguiram seu destino.
E
na manhã de sexta feira pré-carnavalesca, para celebração inesquecível na
história das cidades, inaugura-se a tão esperada Praça Internacional. Após
vinte anos de negociações e trâmites diplomáticos, uma multidão estava presente
para assistir o final desta partida. As
bandeiras de todos os países americanos dançavam enfileiradas ao vento. O
desfile tropas e de bandas militares, estudantes e instituições dos dois países
foi registrado por jornalistas de diversos lugares. As ausências dos
presidentes uruguaio, General. Arq. Alfredo Baldomir e brasileiro, Getúlio
Dornelles Vargas foi sentida e registrada nos diários e na memória da população
fronteiriça. Embora enviassem representantes oficiais, do lado oriental,
Ministro do Interior Hector Genoma, e brasileiro, Ministro do Trabalho,
Comércio, Justiça e Interior, Dr. Alexandre Marcondes Filho. Com convidados
oficiais, a viúva do arquiteto criador do projeto Sra. Páez Seré presente além
uma multidão de populares, muitos viajaram de cidades vizinhas, estava
inaugurada oficialmente a Praça Internacional.
A
construção de uma praça central, na divisa das duas cidades delimitando imaginariamente
duas nações foi sem dúvida, um elemento significativo dessa política. Nesse sentido, podemos estimar que os governos
buscassem a construção de um símbolo, um marco, uma identidade que
diferenciasse essa fronteira daquele cotidiano tumultuado da Segunda Guerra
Mundial instalada no continente europeu. Como sugeriu um escritor peruano, em
passagem pela fronteira, “justamente quando o mundo agitava-se diante desse
conflito, a região apresentava-se como um exemplar da "civilidade"
latino americano”.
Entretanto
é importante relembrar a importância do antigo Areial para as novas gerações. O
espaço esteve presente ao longo dos anos no cotidiano da comunidade
fronteiriça, que privilegiou o local como espaço genuíno do lazer. Do ancestral
descampado, chamado Areial, aos anos recentes da moderna Praça Internacional,
este espaço afirmou-se como um local político, cultural e econômico para as
cidades. Situado na linha de fronteira o
Parque vai se mostrar também um espaço de negociação, abrigando exilados e
fugitivos nas recentes ditaduras que abalaram Brasil e Uruguai.
Retrocedendo
algumas décadas, encontraremos outro espaço em um mesmo espaço. As cidades
viviam uma crise social e econômica, o Areial com frequência era referência de
esporte e lazer das comunidades. Na paisagem deste descampado “areial da
linha”, ou “tierra de nadie”, lugar baldio, irregular e de matagais, Improvam-se
atrações culturais como espetáculos de circos, cinema mudo, cavalhadas, canchas
de tênis, futebol e hockey. Havia ainda os chopes ruivos da cervejaria Gazapina,
vendidos nos Kiosques El Ribot e Biquita localizados na parte alta do areial,
na Avenida das Palmeiras (atual Largo Dr. Hugulino Andrade), que ajudava a
distrair a platéia.
O
Areial das décadas de 20 e 30 contrastava com seu vizinho, o Cine Theatro Cabaret
Internacional, um esplendoroso prédio, império da boemia, onde a roleta e o
pano verde serviam de pretexto para espetáculos luxuosos. Atrações internacionais
e muito champanhe, espetáculos artísticos e serviço de restaurante sofisticado. O luxo do Cabaré- Cassino impunha-se em contraste
com a escuridão daquele descampado Areial, que abrigava atrações circences e
ciganas para a maioria da população. Em muitas ocasiões o local também foi
palco de violência e mortes, ajuste de
contas entre capangas e contrabandistas. Segundo noticiou um jornal
santanense O Republicano, era
"lugar perigoso, esconderijo para bandidos". Portanto, longe de
constituir-se no atual espaço privilegiado do Parque, o Areial era considerado um
espaço público livre de qualquer valor moral ou mitificador. Em seus bons dias o
lugar tornou-se referência da diversão à comunidade. O memorialista Cirino,
reconstituiu seu espaço: “A linha era uma
zona de chácaras e potreiros, era mais uma estrada barrenta, em dias de chuva
do que propriamente uma rua para o pedestre transitar, o transito era a pé, em carros
ou carroças de tração animal; na cidade havia uns quatro automóveis de particulares
[...] revolucionários emigrados, entre os oficiais Siqueira Campos, Cordeiro
Campos, entre outros, estabeleceram-se como comerciantes em Rivera, e alguns
outros, menos afortunados, acamparam nas imediações do Cerro do Marco”.
Assim
como numa colcha de retalhos, os moradores dessa fronteira buscam rememorar sua
juventude através dos lugares que visitaram, das cenas pitorescas que viveram e
que preenchem o universo de suas recordações. O passado é vivenciado como outra
época, perseguido constantemente nas lembranças de outra cidade e seus espaços
perdidos na memória. Memória que também é
um espaço pantanoso e construído conforme nossas lembranças, erguido em
experiências pessoais onde muitas vezes certas vivencia são relevadas em função
de outras, essa é a construção da memoria.
O
barbeiro Humberto Bisso, que viveu intensamente estes dois espaços temporais, o
do Areial e do Parque Internacional sabiamente, costumava lembrar, que os dois
tinham muito em comum, pois se foram locais de disputa e violência, também ofereceram
muita diversão, para a população: “tu sabe, essa praça nova que está ai, veio
muito tempo depois do antigo Areial,¿” Divertia-se com os colegas ao ver a
passagem das moças que iam trabalhar no Cassino Internacional,” todas elegantes
de salto alto e caminhando e tropeçando no arenal” Pois não foi nela que ele
viu “caírem mortos operários comunistas do Armour em uma noite fria de primavera¿. Assim
como em 1956, emocionado viu passar na mesma vereda da praça, a comitiva de
boas vindas ao Presidente JK Jucelino Kubischeck, quando visitou a cidade em
seu centenário! O
Parque Praça Internacional é um espaço sentimental, cada um tem um parque
dentro de sua memória, que ao longo do tempo foi metamorfoseando-se em diversos
espaços da memória e sentimentos.
Se nos anos 1930, o Areal foi espaço dos
desmandos caudilhescos e de pistoleiros, trazendo notícias diárias nos jornais
que lembravam aos fronteiriços que aquele era um o espaço dominado pela
violência, a população também recorria a ele quando queria diversão seja pela
chegada de circos, as sessões no cinema mudo do gordo Ducos, quando havia
partida de futebol ou cavalhadas, afinal ali também encontrava-se o lazer,
comum as duas cidades.
Após
a inauguração do novo espaço internacional, entre meados dos anos 1940 e 1950,
a Praça moderna e ampla seduzirá outras gerações de famílias, que disfrutam o
lazer moderno, com seu entorno repleto de lanchonetes e restaurantes. Espaço para caminhadas, piqueniques, esporte,
fotografias e namoros. Espaço dos lambe-lambes que desde então, eternizaram nos
retratos sua população e a de turistas. Os passeios depois das sessões do
cinema e matinés dominicais. Mas também foi em suas calçadas, no novíssimo
Largo Internacional que ocorreu a chacina dos militantes comunistas mortos,
quatro homens que, nas palavras da poetisa Lila Ripol, “ousaram sonhar com um
mundo mais justo”!
Nos
domingos havia o encontro semanal dos imigrantes árabes libaneses e palestinos
aos pés do Obelisco, que ali conversavam na língua mãe, fechavam negócios e
tomavam chimarrão, apropriando-se de novos costumes. Na
década de 60 e 70, o lugar se estabelecerá como um Parque-espaço da
solidariedade e do exílio, lugar de passagem de perseguidos das ditaduras brasileira
e após, uruguaia. Em seus arbustos ocultaram-se documentos e armas dos
guerrilheiros. Por suas alamedas passearam jovens idealistas vindos de outras
regiões do país. Entretanto, a praça ainda é espaço de lazer, namoros,
fotografias, esportes, de encontros de presidentes militares que exibem sua
diplomacia e divulgam convenientemente a irmandade inscrita no marco obelisco.
Os anos 80 lembrarão de que o Parque ainda é espaço
lúdico de diversão, de lambe-lambes, da sociabilidade adolescente, dos
encontros fortuitos, de amantes, de prostituição. Contudo liga seu alerta
vermelho denunciando o início de sua descaraterização, com a chegada de trailers
gastronômicos e bancas de artesanato, aos poucos a economia informal vai se
aproximando até se estabelecer sem a devida fiscalização. A limpeza, os
cuidados de jardinagem e manutenção que desde sua inauguração foram dados às
administrações municipais iniciam seu lento processo de deterioração.
Estaria a
Praça moderna, retornando a ser aquele local esquecido lá no passado, uma
"terra de ninguém"? Entramos
nos anos 90, e nosso símbolo da irmandade, imóvel, não reconhece o
esplendor de poucas décadas passadas. O espaço será da prostituição, de shows
musicais e espaço de manifestações políticas, dos parques de diversões. A partir
dos anos 2000, a praça agoniza, pede socorro, o espaço é do abandono, Porém
ainda é apreciado para o desenvolvimento da cidadania com as manifestações políticas,
da diversidade, eventos culturais como a Feira do Livro Binacional. Também
abrigam festivais de ovino e vinho, cultos religiosos, festivais nativistas e
recentemente, gastronômicos. Ainda temos uma área concebida originalmente para
descanso e lazer? Antes da
criação do Parque, foi mais de vinte anos gerando um espaço monumento, que iria
perpetuar ao mundo os valores da irmandade, igualdade e fraternidade, um espaço
genuíno de lazer e descanso.[7]
Finalizo com as palavras para reflexão do poeta Getúlio Neves:
Deixem a
praça
para os
velhinhos e crianças que encontram no aconchego das bandeiras a segurança que
esperam e temos obrigação de dar lhes.
Deixem a
praça
Para o
sono dos cães sem dono, bêbados e mendigos.
Deixem a
praça
Para as
ciganas de saias coloridas, os retratistas de preto e aos realejos nostálgicos.
Deixem a
praça para o voo curto das pombas, ao João de barro que fez sua casa no lado
uruguaio com o barro do lado brasileiro.
Deixem a
praça
Para o
poeta que, a noite, retardatário, recolhendo seus passos diga:
Amo o silêncio
desta praça vazia [...]
É
madrugada, vem, talvez possamos
Percorrendo
de leve as alamedas
Ver a
garoa no seu ciciar de sedas
Tecendo-se
em resinas pelos ramos.
[...]
Deixem a nossa praça, para o beijo bilíngue dos namorados!
* Texto apresentado na Universidade Federal do Pampa - Unipampa, em 11 de outubro de 2017.
Liane
Chipollino Aseff é pesquisadora e Mestre Historia Cultural pela UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina.
[1] AÍNSA, Fernando. Espacios de la memória. Lugares y paisajes
de la cultur uruguaya. Montevideo: Trilce, 2008.
[2] Convém lembrar que o Itamaraty
lançou na ocasião um concurso para admissão do projeto, o arquiteto modernista
carioca Lúcio Costa enviou material para participação. Somente em 2011 seu
projeto foi descoberto e
levado
a público através da iniciativa do Cônsul Geral do Brasil em Rivera, embaixador
Vitor Candido Paim Gobato seu vice-cônsul, Cláudio Santana.
[3] AÍNSA,
Fernando. Idem, p.16. Importante também
observar nesse episódioda construção da praça que, “como toda la autoridad que domina el presente pretende determinar el
futuro y reordenar o passado. La legitimación de la orden estabelecido que esta
recuperación seletiva del passado, mas politica, que cientifica, aunque se
apoye em acontecimeientos reales, documentos fidedignos e interpretaciones
históricas”
[4] Grifos meus.
[5] Conforme informou gentilmente a
historiadora riverense Selva Chirico. Também consta no livro A história do
Parque Internacional, de Nelson Ferreira Moreira, p.17.
[6] MOREIRA, Nelson Ferreira, A história
do Parque Internacional. Rivera: Intendencia Departrtamental de Rivera, 2010,
p. 17. Grifos meus.
[7] Após 20 anos de relativo
abandono e o consequente soterramento dessa memória, mais uma vez o patrimônio
histórico e cultural da Praça é ameaçado por um projeto unilateral, entre as
prefeituras das cidades sem a participação da população fronteiriça, alijada das
decisões sobre seus espaços mais
expressivos e sentimentais.
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