A fronteira que separa história e biografia sempre foi ressaltada e, em todas as épocas, podemos observar historiadores esperando delas uma separação definitiva. Arnaldo Momigliano nos lembrou que durante o período ático Tucídides não escondia seu desprezo aristocrático pela biografia, considerada como um gênero por demais popular e que, dois séculos mais tarde, Políbio insistiria na necessidade de ultrapassar a monografia e vislumbrar a síntese geral. Mas o fosso entre os dois gêneros seria cavado em profundidade ao longo do século XIX, quando o pensamento histórico atinge seu apogeu. Dois momentos chave encorajaram uma separação definitiva. O primeiro remonta ao fim do século XVIII e início do XIX e é ligado sobretudo ao sucesso e ao impacto da história filosófica, enquanto que o segundo momento é precipitado nas últimas décadas do século XIX pelos historiadores e coincide com o divórcio entre história política e história social.
Durante a segunda metade do século XX, quando o projeto biográfico parecia definitivamente abandonado, ele é retomado por alguns autores difíceis de classificar, porém ávidos por dar voz àqueles que a História com H maiúsculo havia silenciado. E é precisamente nessa ótica - distante da abordagem tradicional da história política - que pouco a pouco se dissipou a desconfiança a respeito da dimensão individual. Dimensão essa que deu lugar à memória dos marginais, dos perdedores, dos vencidos, ou ainda daqueles que, tão simplesmente, não eram contados (no despertar da história oral, dos estudos sobre cultura popular e da história das mulheres), incluindo-os progressivamente na historiografia através da reflexão biográfica.
A crise dos grandes modelos de interpretação, marxista e estruturalista, dentre outros, sugeriu a diversos historiadores que se interrogassem sobre a noção de indivíduo. Decepcionados e insatisfeitos com as categorias englobantes de classe social ou de mentalidade (mentalité), que reduziam o sentido das ações humanas ao efeito das forças econômicas, sociais ou culturais globais, mesmo os historiadores sociais começaram a refletir sobre trajetórias pessoais. Em pouco tempo, a dimensão individual transformou-se numa questão central e a biografia foi de algum modo democratizada: a questão não é mais hoje em dia o grande homem (cuja noção foi ostracisada, ou mesmo por vezes utilizada de modo pejorativo), mas sim o indivíduo comum. Essa transformação democrática mostrou-se, e mostra-se ainda, penosa.
Quais são os critérios que nós utilizamos para avaliar o peso dos fatos históricos, das práticas sociais, das relações emocionais? E, por outro lado, podemos compreender a evolução histórica a partir das experiências individuais? Começaremos por um exame da fronteira, difusa e instável, que separa a biografia da literatura e da história. A seguir, abordaremos as diferentes figuras biográficas elaboradas pela historiografia ao longo dos séculos XIX e XX (os heróis, o homem patológico, o homem particular, etc.).
Tradução livre de Rodrigo Bragio Bonaldo - Doutorando em História pelo PPG-História/UFRGS do original em Francês.
Conferência:
"Le moi de l' historien'
Dia: 10/10/2011
Horário: 14:30 h
Local: Pantheon do IFCH, Campus do Vale
MINI-CURSO:
'Historie et biographie'
Dia: 11/10/2011
Horário: das 10h às 12h e das 14h às 16h
Local: Pantheon do IFCH, Campus do Vale
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