NOITE LINDA, de Jodido Bushinshe, onde fomos recebidos pelo anfitrião
Hugo Lago, em seu Museu de Artes Plásticas de Rivera. A ode ao
portunhol e seu merecido reconhecimento enquanto força pulsante e viva
de nossa cultura fronteiriça, teve nas palestras do artista plástico
Miguel Armand Ugon e Alejandra Flaka Rivero
o ponto alto de uma noite fria e chuvosa. Fria e chuvosa - diga-se -
apenas lá fora, pois no Jodido Bushinshe o clima foi de uma feliz
confraternização. Ugon brindou o público com uma pequena retrospectiva
de sua obra, cercada pela cultura local, de marcos onipresentes, uma
Rivera mística e cheia de elementos de uma identidade que foi cambiando
com o tempo.
Na obra de Ugon, surgem marcos enfeitiçados, murgas
abrasileiradas e uma presença da religião e da cultura negra muito
fortes, em uma fronteira que já não demonstra esse esplendor do encontro
multicultural, pelo menos não tão forte como antes.
Já
Alejandra, nos surpreendeu com uma análise sofisticada dos elementos do
portunhol em poetas fundamentais da identidade fronteiriça, como Agustin
Bisio, Olyntho Maria Simões, Taunay de Barros, Arlindo Coitinho.
Sempre fomos luso-parlantes, advertiu Alejandra, já de saída, em uma
provocação que na verdade traduzia a presença lusa desde o início de
nossas movidas coloniais. A fala de Flaka Rivero foi realmente
deslumbrante, ao lembrar a platéia de detalhes intrìnsecos ao compor
literário de Agustin Bisio (que usava não o portunhol, mas agregava o
gauchesco-português, em sua poesia, criador do primeiro dialeto
literário em Rivera, que nos traz um Uruguai intimista e original );
Olyntho Maria Simões (que traz a reivindicação da fronteira como local
privilegiado e pede respeito, que mostra a cultura afro pulsante
daqueles tempos, antes da ditadura uruguaia tentar apagar toda a
referência); Lalo Mendonza (último escritor anterior a ditadura, que
também eleva o afrodescendente a sua condição protagonista dessa
cultura, antes da campanha de prescrição idiomática promovida pela nova
ordem pós 1973).
Por fim, Flaka Rivero nos remete aos novíssimos
Arlindo Coitinho (que reivindicava escrever em santanês, uma mistura do
português, espanhol, português gaúcho e portunhol). Coitinho viria a
influenciar toda uma nova geração de escritores da fronteira.
Encerrrando a viagem através do
portunhol e seus poetas, temos Chito de Mello e seu rompidioma, um
insulto elevado a condição de valor, exatamente como fez Oswald de
Andrade em seu manifesto antropofágico, em 1922, quando o insulto
tornou-se positividade, quando o pejorativo foi usado como afirmação
cultural. Tudo isso nos ensinou Alejandra Rivero, nesta noite iluminada,
que finalizou com um show fantástico de Ernesto Díaz, talento de
Artigas, parceiro de Fabián Severo (outro autor citado, que volta aos valores semeados por Bisio, como coisa do coração, desperto por um "exílio" na capital).
Na Platéia, Marcelo Flores Da Cunha Garcia, Vladimir Fagúndez, Selva Chirico, Nestor Chumbo Chaves, Celina Albornoz e sua trupe, Richard Bértiz, Santiago Perez, entre muitos outros. O culpado por tudo isso? Enrique Da Rosa.
Confira a arte de Ernesto Diaz, Fabian Severo e Chito de Mello:
https://www.youtube.com/watch?v=tzJUuDOBFYo
https://www.youtube.com/watch?v=_ofUjsYZt7s
https://www.youtube.com/watch?v=QpsOXsQMy50
https://www.youtube.com/watch?v=8s5whuDSyyc
texto: marlon aseff (outubro 2015)
foto: Olyntho Maria Simões