terça-feira, 17 de maio de 2011

Nildo Ouriques: "No Brasil, a democracia está cativa"


Aos 52 anos, Nildo Ouriques é doutor pela Universidade Nacional Autonoma do México. Ele também presidiu o Instituto de Estudos Latinoamericanos (IELA) até 2009. Nascido em Joaçaba, jogava pelo time de futebol da cidade, que pagava na época o equivalente a três salários mínimos. Aos 18 anos veio para Florianópolis estudar e trabalhar no Avaí. Acabou se envolvendo com um grupo de teatro dirigido por Carmen Fossari, o que levou a deixar de lado o futebol. As artes também ficaram em segundo plano quando começou a atuar politicamente na universidade. Em 1981, presidente do DCE, lutou contra a
ditadura militar, cujo aprendizado ele garante ter fortalecido sua profissão e intelectualidade. Durante o governo do prefeito Edson Andrino (1986-1988), trabalhou na Secretaria de Administração de Florianópolis. Em maio de 1988, foi morar no México para fazer mestrado e doutorado. Lá trabalhou como tradutor em alguns jornais, nos quais escrevia colunas sobre economia internacional. Atualmente participa do programa de rádio Faixa Livre, na Bandeirantes do Rio de Janeiro, mantido pela Associação de Engenheiros da Petrobrás.

De que forma se dá o eurocentrismo no estado de Santa Catarina, tanto na imprensa como na cultura?

Em Santa Catarina se alimenta o mito de que o estado é quase europeu, sem os desequilíbrios brasileiros. As culturas negras e indígenas são ocultadas e quando aparecem são como problema social. Este estado é tão atrasado que não tem sequer uma Defensoria Pública. Em relação à imprensa, os meios de comunicação têm um monopólio mais acentuado ainda, que é a RBS. É tão monopólio que tem uma cátedra no Curso de Jornalismo. Isso me parece um escândalo.

Qual sua opinião sobre os embates do governo da Argentina com a imprensa, principalmente com o jornal Clarín, considerado um dos mais críticos?

O governo argentino reconheceu que o peso do Clarín era superior aos partidos políticos e que o processo de erosão da legitimidade dos partidos cedeu espaço para que alguns monopólios de rádio, televisão e jornais se tornassem partidos políticos. Primeiro, o Clarín não respeitava a legislação a qual estava submetido. Segundo, o jornal tem que ter uma linha editorial independente, que não se trata de não poder fazer crítica ao governo, mas também não pode fazer oposição. E, terceiro, o governo criou uma nova lei, a Ley de Medios, que implica na efetiva democratização dos meios de comunicação, o que despertou a ira dos demais países, inclusive do Brasil. Aqui, a democracia está cativa. Não se pode ter um sistema político democrático, pois a mídia está concentrada nas mãos de poucos.

Qual sua opinião sobre a democratização da comunicação?

Não há nenhum processo de democratização da comunicação no Brasil. Em primeiro lugar, é um poder monopólico, de péssima qualidade, como por exemplo o Jornal Nacional, que deveria escandalizar a todos nós. Segundo, o Governo Lula não deu um passo no sentido de democratizar os meios de comunicação, não restringiu poderes inaceitáveis de monopólios, como também não estimulou redes alternativas. Não entendo por que não regulamentar e ampliar o poder das rádios comunitárias. O sistema capitalista preza pela concorrência, então por que não instituir um sistema competitivo de comunicação? A radical democratização da comunicação é necessária, mas não virá com esse governo.

Durante o Governo Lula houve uma aproximação entre o presidente brasileiro, o da Venezuela, Hugo Chavez, e o da Bolívia, Evo Morales. Será que tal esforço será mantido no governo da presidente Dilma Rousseff?

No primeiro governo de Lula houve um distanciamento claro. Um processo de integração
mais forte nos países vinculados à ALBA, a antiga Alternativa Bolivariana das Américas, está em curso na América Latina. O Itamaraty, seguindo as orientações de Washington, descartou essa hipótese e a hostilizou. No segundo mandato, a integração latinoamericana começou a figurar o discurso da diplomacia brasileira, mas assumiu a forma de subimperialismo, em que o importante era vender produtos e serviços na AL.
As grandes empresas brasileiras, estatais e privadas, começaram a atuar, ou seja, o discurso da integração ganhou uma dimensão econômica concreta. O Governo Lula também sabia que milhões de pessoas observavam as transformações na Bolívia, Equador e Venezuela com extremo apreço, razão pela qual não era seu interesse hostilizá-las. Quem hostilizava eram os parlamentares, os senadores. Os empresários queriam vender. A mídia era contra, os intelectuais [de direita] eram contra, mas os empresários não. O que aconteceu foi que o Estado brasileiro se aproximou, impedindo que o Governo Lula aparecesse
na política exterior como conservador. Então houve certo interesse pelos governos latinoamericanos de orientação nacional popular, e estes, por sua vez, tinham interesse em serem amigos do Lula. Mas a diplomacia brasileira seguiu dentro de uma orientação ainda permitida por Washington. Nem Lula nem Dilma praticaram uma política soberana. O Brasil não pode ignorar o tema da integração bolivariana, mas a burguesia não quer, pois é uma integração dos povos. O Itamaraty é o órgão brasileiro mais escandalosamente eurocêntrico e colonialista, uma diplomacia que não serve aos interesses
brasileiros, e sim aos interesses de Washington, potências dominantes e da Avenida Paulista.

Por que a América Latina não aparece de forma positiva na imprensa brasileira?

A AL não existia na imprensa brasileira há dez anos. Ainda é um desastre. Desastre
porque ela está orientada por uma tríplice determinação a partir da Europa, de forma que a imprensa brasileira não consegue perceber a AL desde suas entranhas, seus intelectuais. O segundo aspecto é que a imprensa está orientada por uma dose de colonialismo. Os três séculos de colonialismo e os dois de subdesenvolvimento determinam uma observação da imprensa sobre o fenômeno latinoamericano que está marcado pela imprensa brasileira. O terceiro ponto é que os que escrevem sobre a AL a desconhecem. O jornal Folha de S. Paulo apenas recentemente tem um correspondente em Caracas. E o máximo que os grandes jornais brasileiros cobriam era a Argentina, a exemplo de Flávio Tavares. É uma característica nas redações que os repórteres não saibam onde fica Belize, o que é o conflito entre Peru e Equador, que ignorem a cultura latinoamericana. Há essa tríplice determinação que é perversa. O jornalismo brasileiro atua numa perspectiva de Washington. Os líderes das nações imperialistas, por exemplo, aparecem na imprensa brasileira como homens genuinamente preocupados com o futuro da humanidade e nunca interessados exclusivamente em manter ou conquistar mais poder para suas próprias nações. Mas é impossível ler em um jornal brasileiro o adjetivo nacionalista para o primeiro-ministro francês ou para o presidente dos EUA, porém é fácil encontrá-lo quando se trata de Evo Morales, Rafael Correa ou Hugo Chávez. Neste caso, fica claro como a ordem unida se faz com perfeição no exercício da liberdade de imprensa: “o presidente nacionalista Evo Morales disse....”, “o ultra-nacionalista Hugo Chávez ordenou...”. Enfim, o tratamento jornalístico dá a impressão que o nacionalismo é uma doença tropical, impossível de encontrar-se nos Estados Unidos, na Inglaterra ou na França.
Entrevista concedida a Úrsula Dias, que gentilmente nos cedeu este material. Publicada no número de maio de 2011 do jornal laboratório Zero, produzido pelo Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina. Foto: titaferreira.multiply.com

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