sexta-feira, 19 de março de 2010

Humberto Bisso, o barbeiro memorialista


Humberto Bisso sempre manteve sua barbearia no mesmo local - na rua Conde de Porto Alegre, paralela à avenida principal de Santana- a duas quadras do Parque Internacional, próximo aos centros de lazer das duas comunidades. Mesmo com a idade avançada, esse personagem mantém um diálogo vigoroso com suas lembranças, que são minuciosamente revividas enquanto as relata. Na busca pelas emoções vivenciadas naqueles anos de juventude descomprometida, surgem em suas lembranças as cenas vividas com uma bela morena. Vistosa, porém comprometida com o chefe da Alfândega. Mesmo assim, destemido, enamorou-se da moça, expondo-se ao perigoso desenlace dessa ousadia. Ameaçado de morte pelos capangas do "bandidão", recorda do companheiro de serenatas que lhe emprestou uma arma para se defender, sem ele nunca ter dado um tiro! Pois quando o capanga entra em sua barbearia para tomar satisfações, Bisso vira-se de surpresa e desfere o tiro certeiro. A bala atravessou a boca do opositor, que foi levado às pressas dali. Bisso teve de recorrer ao auxílio do comissário de Rivera, seu aliado da boemia. Depois de algum tempo, voltou para Santana, sem mais ser incomodado. O tradicional barbeiro diverte-se apresentando as características físicas e os milagrosos dotes culinários de Don Godoy, o gorducho e bonachão cozinheiro uruguaio, seu amigo, responsável pelo requintado serviço gastronômico do Cabaret Cassino Internacional. Contudo, afora seus sofisticados pratos, o cozinheiro também podia lhe servir um singelo bife com batatas fritas não importando o adiantado da hora. Mas o que mais tinha gosto em assistir eram os espetáculos musicais, não deixava de admirar nenhum, pois todos eram apresentados por artistas estrangeiros: "Ah, tinha orquestras mui boa, mui boas! Teve um o Mejon Escalada, era espanhol, era o chefe da orquestra, tinha uma orquestra que tocava no cabaré, depois foi dono do cabaré também, tá sepultado aí (melancólico) Ele tocava de tudo não? Tango, valsa. O pessoal sentava assim numa mesa, e pedia cerveja, podia até pedir comida, porque vinha. Tinha até cozinheiro, o que tu quisesse tu pedia, se tu podia pagar né? (risos) Eu, muitas vezes me sentei na mesa e eu dizia - Godoy, hagame um bife bien gostoso eh! e vinha (risos). E os bifes não eram de carne braba, eram de carne boa! E as mulheres tomavam de tudo o que viesse, porque elas eram pagas pra isso, pra fazer gastarem não? Se sentavam numa mesa com um velho de dinheiro e impeçavam a pedir de tudo né? tinham que pagar, o trabalho delas era esse né! (risos)"
O barbeiro santanense Humberto Bisso (foto) viveu a plenitude dos anos românticos da fronteira, no início do século 20. Viu erguerem-se os cabarés de luxo, presenciou a banalização dos crimes nas ruas empoeiradas, viveu a boemia plena de uma época. Faleceu aos 101 anos, mas antes, dono de uma rara lucidez, narrou estas lembranças, reunidas no livro Memórias Boêmias, Histórias de uma Cidade de Fronteira (Edunisc, 2008).

2 comentários:

  1. Alô Marlon e Liane... Parabéns pelo blog. Quem seríamos nós se não fossem os historiadores, que buscam resgatar as memórias, todas elas, e tornar presente o que foi passado e de muitos, acontecimentos que ficaram encobertos, por esquecimento, por vontade, por conveniência... Mas que agora, junto com o pensamento de outros é trazido a luz. É bem mais fácil seguir adiante, quando temos conhecimento dos caminhos percorridos por tantos... Parabéns por esse trabalho. Serei um fiel seguidor deste blog e do trabalho de vocês. Um abração “ducana.zip.net/”

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  2. Obrigado Ducana, a idéia é não deixar a chama apagar! grande abraço!

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