A cidade de Rivera, fundada com o propósito de demarcar o território cobiçado em disputas fronteiriças, constitui-se em um vigoroso centro de comércio. Santana do Livramento, por outro lado, permanecia com o comércio dominado pela oligarquia rural e a característica de uma sociedade excludente. Rivera havia sido fundada por comerciantes estrangeiros, entre espanhóis, italianos e franceses, sendo mais tarde ocupada também pelos comerciantes libaneses, que criaram ali um núcleo comercial próprio. A concorrência entre os diversos grupos de imigrantes pela disputa do mercado consumidor fez com que os libaneses se radicassem na zona periférica. O comércio da rua central era dominado pelos espanhóis e italianos. Atravessar a fronteira e obter mercadorias sob baixos impostos era um atrativo para muitos comerciantes de cidades próximas. Aos imigrantes abria-se também a possibilidade de uma fiel clientela binacional, devido a constante instabilidade cambial e a economia pendular, característica da região. O tradicional comércio do tipo formiguinha, de gêneros alimentícios, do vestuário ou de gêneros variados, nunca foi reprimido com eficiência nessas cidades gêmeas. Rivera foi a segunda cidade do país, depois de Durazno, com maior número de comerciantes libaneses.
A comunidade libanesa estabeleceu-se na calle Brasil, próxima ao Ferro Carril, onde havia constante fluxo de mercadorias, pessoas, diligências e carroças. Os comerciantes árabes perceberam ali a grande oportunidade de vender suas mercadorias para a população local, que vinha tanto da cidade como do interior. Os jovens imigrantes que desembarcavam na ferroviária logo percebiam nos arredores um auspicioso núcleo comercial. Aquela via era habitada por uma população de maioria árabe, como carinhosamente relembrou o poeta Zaz Recarey ” había allí una turcada maravillosa” ele próprio filho de libaneses. Foi o caso de Elias Normey (em árabe, Nagme) e sua mãe Yesmín, que em fase de adaptação emigratória, decidiram deixar os Estados Unidos pelo promissor Uruguai. Sob indicações de parentes que já viviam em Rivera, sua prioridade foi saber, onde se localizava o centro comercial. Em 1912, quando ali chegou, fixou moradia na calle Brasil, que era garantia de bons negócios. Mais tarde, estabilizado, fundou a tradicional Casa Elias Normey. Elias procurou dentro da comunidade de imigrantes libaneses uma moça para casar e formar sua extensa família. Logo de sua vinda para a cidade, foi vítima de discriminação policial, quando trabalhava com a venda de mercadorias em uma carroça. Foi interpelado por um guarda, que agressivamente o chamou de turco, exigindo que o assustado jovem apresentasse sua documentação de estrangeiro e licença para “andar mascateando naquela rua”, segundo relembrou seu filho Luis Normey. Após muitas tentativas de comunicação, pois Elias ainda não dominava o idioma local, foi salvo por um amigo uruguaio, que fez sua apresentação para a autoridade, liberando-o da iminência da prisão.
A partir das primeiras décadas do novíssimo século que vinha à luz, as cidades da fronteira se tornaram alvos novos para a maioria da população estrangeira que chegava às capitais do Prata. Logo a comunidade libanesa estabelecida em Montevidéu soube que Rivera convertera-se em centro aglutinador do comércio e da emergente indústria da carne e do couro. A modernidade havia se instalado na região com a introdução de serviços que favoreciam o franco desenvolvimento daquela comunidade do interior da república: a estação ferroviária, os lampiões para a iluminação pública, a telefonia e ginásios públicos, os liceus, constituíram-se em significativos atrativos para os novos moradores. Havia muito tempo que o serviço dos correios atendia as cidades fronteiriças através das diligências que costumavam romper os limites, em direção a cidades como Bagé. A industrialização, por sua vez, agregou grande desenvolvimento cultural e econômico para a região. Inicialmente, as charqueadas, depois os frigoríficos estrangeiros excederam a mão de obra de trabalhadores locais, abrindo frentes para operários capacitados, como os imigrantes espanhóis, italianos e libaneses. Porém, se os europeus buscavam trabalhos sazonais nas indústrias, os árabes preferiam a autonomia da atividade varejista, baseada na informalidade. A maioria dos entrevistados nesta pesquisa se utilizaram da expressão liberdade para justificar sua escolha pelo cotidiano do comércio ambulante, mesmo sob condições de insegurança e intempérie. Entretanto, essa é uma das questões que devem ser investigadas sob novas perspectivas, tendo em vista que nesse momento a região foi tomada por intenso movimento de greves, liderada por anarquistas espanhóis e italianos, quando então estava em gestação uma classe operária nos países do Cone Sul.
A economia vigorosa dos frigoríficos em Santana do Livramento teve seu início em 1917 e viveu o apogeu no período da Segunda Guerra entre 1940-44, quando a indústria de carnes abastecia as frentes aliadas. Esse processo vinha desde o advento das charqueadas e, mais tarde, com a indústria frigorificada consolidou-se a exportação de carnes de qualidade para o consumo da população da Europa e Estados Unidos. Assim a região e as cidades próximas a ela, se tornaram um porto seguro para muitas famílias de emigrantes, especialmente os libaneses.
Na década de trinta, a cidade de Bagé, localizada a cerca de 200 km da fronteira, fazia parte do mercado exportador de carnes. Haviam seis charqueadas e uma considerável comunidade de comerciantes sírios e libaneses, que vendiam a esses trabalhadores suas mercadorias consignadas. Outros se dedicavam ao cultivo de hortaliças e temperos. Algumas famílias radicadas em Rivera cultivavam hortaliças em quintas e vendiam para a extensa comunidade libanesa que ali morava. Fouad Chein relembrou dessa troca comercial com Bagé, pois “os que plantavam em Rivera não dava para todos, papai comprava os que vinham de Bagé, dos nossos amigos patrícios"
A primeira geração de emigrados libaneses no Uruguai e na região da fronteira mostrou características semelhantes a outros países da América, composta por jovens solteiros que buscavam estabilizar-se financeiramente. No entanto, em meados dos anos cinqüenta vai se configurar um segundo processo imigratório na região, apresentando aspectos diferenciados daquela primeira geração. Segundo apurei preliminarmente, a maioria dos cidadãos que aportavam em Montevidéu já apresentavam conhecimento da fronteira, por meio de informantes. Através de dados minuciosos do lugar e com algum conhecimento básico do idioma local, sentiam-se seguros para iniciar o ciclo de prosperidade e árduo trabalho. Os que deixavam o mediterrâneo haviam recebido o convite de um parente próximo para seu estabelecimento na fronteira uruguaio-brasileira. O episódio protagonizado pelos amigos Antonio El Tors e Ibrahim Tarabay ilustra esse momento.
Antonio Iskandar El Tors e Ibrahim Tarabay, nascidos no Líbano, emigraram para o Brasil e Uruguai no início dos anos cinqüenta, integrando segunda geração de libaneses que residem na fronteira. Contudo, sua trajetória na América do Sul foi bastante diferenciada. Antonio, ao contrário de Ibrahim, emigrou para o Brasil com objetivo de desfrutar um “modelo brasileiro de viver”. Buscava o convívio alegre e caloroso da população, conforme anunciavam alguns de seus amigos que já tinham conhecimento e haviam trabalhado no país. Ibrahim, por sua vez, chegou ao Uruguai em meio a uma tragédia pessoal, e teve seu destino modificado. Esses dois libaneses, mesmo tendo conhecimento mínimo do idioma, buscavam um novo modo de viver, conforme anunciavam as publicidades do Brasil feitas no exterior.
No ano de 1956, Ibrahim deixou seu comércio e a família no povoado em que nasceu, ao norte do país, na fronteira com a Síria. Lá, havia casado há pouco tempo e tendo poucas perspectivas de trabalho, aceitou o convite para conhecer a América. Seu tio vivia confortavelmente em Rivera desde os tempos da Primeira Guerra. Em 1956, em meio a forte emoção de ter perdido seu primeiro filho, de três anos de idade, viajou com a esposa até Rivera. Ibrahim não pretendia prolongar sua visita, mas mudou de opinião após conhecer a fronteira e as boas possibilidades de trabalhar. Trabalhou por muitos anos com seu tio, em uma loja e na propriedade rural da família. Com a morte do tio herdou várias propriedades e montou seu comércio em Santana, a popular Casa Líbano. A trajetória de Ibrahim reforça um aspecto peculiar dessa fronteira, pois mesmo possuindo comércio no lado brasileiro, viveu e educou seus filhos em Rivera, e nunca quis mudar sua loja para o lado uruguaio. Alega que está satisfeito com a localização de seu comércio, no centro da linha divisória e de uma simpática vizinhança, composta por seu amigo Antonio El Tors e comerciantes palestinos, com quem diariamente conversa em árabe.
Antonio Iskandar El Tors chegou ao Brasil em 1950 até se decidir pela fronteira em meados de 1953. Por gostar de São Paulo, deu o nome de seu comércio localizado na linha divisória, de Supermercado Paulista. Adaptou-se plenamente ao Brasil, entre outros motivos, porque ‘ Ninguém pergunta aonde vai ou da onde vem!”Elegeu Santana para morar e criar seus filhos. Orgulha-se de visitar anualmente o Líbano, sua terra ”e nela manter muitas propriedades”. Todos em sua família falam árabe entre si, além da fluência em português e espanhol. Embora seus filhos tenham nascido no Brasil, são casados com mulheres libanesas. Antônio, no entanto, apesar de morar há mais de 60 anos na região, pouco aprendeu das línguas portuguesa e espanhola. Sua fala é acentuadamente árabe, e uma mistura das três línguas. A trajetória singular de Antonio pode ser caracterizada por essa linguagem híbrida, em uma espécie de resistência cultural que não o permite dominar plenamente nenhum dos dois idiomas falados na fronteira. Foi com muita dificuldade que com ele convesei, sendo auxiliada constantemente por sua nora, a libanesa Lourance, que fala fluentemente o português. No seu lar, a figura do patriarca é notadamente considerada, seus filhos, noras e netos se comunicam entre si em árabe. Observando os poucos libaneses que residem na fronteira, penso que essa prática de Antonio e sua família teve bons resultados, diante de outros núcleos que chegaram à fronteira na primeira geração e perderam a referência da língua. Os pioneiros geralmente casaram-se com pessoas da região. Integraram-se socialmente na comunidade e aos costumes locais, mas acabaram perdendo o contato com a língua mãe.
A trajetória dos irmãos Chein serve para ilustrar a adaptação e descaracterização dos costumes árabes impostos na terra estrangeira. Os irmãos Fouad e Inácio Chein, nascidos e batizados no Líbano chegaram ao Brasil em 1914, acompanhados de seus pais, Nahim Jorge Chein e Kanra Azario Chein. Fouad com apenas alguns meses de vida e Inácio ainda não havia completado dois anos. À procura de um lugar para fixar moradia, seus pais após percorrerem capitais como Rio de Janeiro e São Paulo, se decidiram pela cidade de Bagé. A escolha provavelmente tenha se dado pelo fato de que naquele momento a cidade abrigava um grande número de imigrantes árabes, em torno de um emergente centro comercial e industrial. Durante os dezesseis anos que viveram nessa cidade, a família costumava conversar em árabe, mantendo os costumes da pátria distante. Esse fato foi decisivo para os irmãos Chein terem crescido dentro da cultura libanesa. Fouad Chein, hoje com 96 anos, recorda-se das noites em que sua mãe, católica, fazia diariamente os filhos sentarem-se em roda, no chão, para rezar em árabe antes de irem para a cama. No entanto, a proximidade cotidiana dos costumes árabes não impediu que seus pais optassem pela nacionalidade brasileira, quando os irmãos ainda eram pequenos. Então Fouad e Inácio Azario Chein tornaram-se os brasileiros Fouad Azario dos Santos, sua mãe, Ámira Azario dos Santos e seu pai, Nahim Jorge dos Santos. Contudo, quando seu pai decidiu partir para a fronteira de Santana do Livramento e Rivera, suas vidas vão tomar um rumo muito diferente.
No início da década de trinta a família Chein sentiu de perto o desprendimento dos patrícos radicados ali pelas raízes libanesas. Sem o estímulo necessário, com o passar do tempo foram desaprendendo o árabe. Embora Santana fosse atrativa para os negócios, culturalmente os desarticulava e afastava do Líbano. Um dos maiores entraves que a família conheceu foi a escassez de compatriotas que dessem continuidade na língua pátria. Diferente de Bagé, onde existia uma vigorosa comunidade, em Santana havia poucos libaneses para se relacionar e dar continuidade a seus costumes. Sua sociabilidade então passou a ser dividida com as famílias de Salim Miguel e Rage Maluf. Entretanto, Salim e Rage haviam constituído um clã brasileiro, onde a segunda geração nunca foi estimulada a falar o árabe. Fouad e Inácio sentiram a necessidade de trabalhar, para auxiliar seus pais com sua extensa família. Logo souberam que o êxito dos negócios estava ligado à fluência da comunicação em português. A necessidade em se relacionar com os clientes e com comunidade fronteiriça exigia dos imigrantes a fluência nos idiomas português e espanhol. Outra limitação estava relacionada ao casamento. Casaram-se com mulheres brasileiras que não tinham interesse que seus filhos convivessem com a cultura árabe. Alguns motivos para esse fato, talvez seja a discriminação que essa geração de primeiros imigrantes sentiu logo no início de seu estabelecimento em Santana.
Ao contrário de Rivera, a cidade brasileira possuía uma comunidade conservadora e estratificada, onde os estabelecimentos comerciais eram fundados na tradição familiar. A maioria das casas era identificada com brasileiros natos, mantendo uma certa resistência aos comerciantes estrangeiros. Os imigrantes logo souberam que naquela região, a respeitabilidade e a ascensão social estavam intimamente ligadas. Desse modo, seus descendentes tinham que estar desvinculados de sua terra natal e da condição de “turcos” imigrantes. A solução para algumas famílias foi o esquecimento de seu idioma pátrio, absorvendo totalmente a cultura do país que os acolhia. Esse seria o legado a ser deixado pelos pioneiros aos filhos, integrados completamente na terra estrangeira.
Os irmãos Chein seguiram a trajetória exitosa de muitos imigrantes. Fouad, com apenas 14 anos, empregou-se na Casa Castro, tradicional comércio de tecidos e roupas de qualidade. Mais tarde integraria-se na maçonaria, completando um ciclo de aceitação pela sociedade local. Inácio trabalhou em casas de comércio até fundar seu próprio empreendimento, a Casa Garota. Foi então que propôs sociedade ao irmão. Em 1950 foi fundada a Casa Chein, para fazer a concorrência com outras lojas de qualidade, como a Loja Renner, o Varejo Martins, a Casa Castro e Casas Pernanbucanas. Retomando o vigor de sua ascendência libanesa, o comércio se notabilizou, através da estratégia publicitária criada por Fouad: Vamos a Casa Chein? Onde um cruzeiro vale cem! O anúncio permanece na memória fronteiriça.
A comunidade libanesa estabeleceu-se na calle Brasil, próxima ao Ferro Carril, onde havia constante fluxo de mercadorias, pessoas, diligências e carroças. Os comerciantes árabes perceberam ali a grande oportunidade de vender suas mercadorias para a população local, que vinha tanto da cidade como do interior. Os jovens imigrantes que desembarcavam na ferroviária logo percebiam nos arredores um auspicioso núcleo comercial. Aquela via era habitada por uma população de maioria árabe, como carinhosamente relembrou o poeta Zaz Recarey ” había allí una turcada maravillosa” ele próprio filho de libaneses. Foi o caso de Elias Normey (em árabe, Nagme) e sua mãe Yesmín, que em fase de adaptação emigratória, decidiram deixar os Estados Unidos pelo promissor Uruguai. Sob indicações de parentes que já viviam em Rivera, sua prioridade foi saber, onde se localizava o centro comercial. Em 1912, quando ali chegou, fixou moradia na calle Brasil, que era garantia de bons negócios. Mais tarde, estabilizado, fundou a tradicional Casa Elias Normey. Elias procurou dentro da comunidade de imigrantes libaneses uma moça para casar e formar sua extensa família. Logo de sua vinda para a cidade, foi vítima de discriminação policial, quando trabalhava com a venda de mercadorias em uma carroça. Foi interpelado por um guarda, que agressivamente o chamou de turco, exigindo que o assustado jovem apresentasse sua documentação de estrangeiro e licença para “andar mascateando naquela rua”, segundo relembrou seu filho Luis Normey. Após muitas tentativas de comunicação, pois Elias ainda não dominava o idioma local, foi salvo por um amigo uruguaio, que fez sua apresentação para a autoridade, liberando-o da iminência da prisão.
A partir das primeiras décadas do novíssimo século que vinha à luz, as cidades da fronteira se tornaram alvos novos para a maioria da população estrangeira que chegava às capitais do Prata. Logo a comunidade libanesa estabelecida em Montevidéu soube que Rivera convertera-se em centro aglutinador do comércio e da emergente indústria da carne e do couro. A modernidade havia se instalado na região com a introdução de serviços que favoreciam o franco desenvolvimento daquela comunidade do interior da república: a estação ferroviária, os lampiões para a iluminação pública, a telefonia e ginásios públicos, os liceus, constituíram-se em significativos atrativos para os novos moradores. Havia muito tempo que o serviço dos correios atendia as cidades fronteiriças através das diligências que costumavam romper os limites, em direção a cidades como Bagé. A industrialização, por sua vez, agregou grande desenvolvimento cultural e econômico para a região. Inicialmente, as charqueadas, depois os frigoríficos estrangeiros excederam a mão de obra de trabalhadores locais, abrindo frentes para operários capacitados, como os imigrantes espanhóis, italianos e libaneses. Porém, se os europeus buscavam trabalhos sazonais nas indústrias, os árabes preferiam a autonomia da atividade varejista, baseada na informalidade. A maioria dos entrevistados nesta pesquisa se utilizaram da expressão liberdade para justificar sua escolha pelo cotidiano do comércio ambulante, mesmo sob condições de insegurança e intempérie. Entretanto, essa é uma das questões que devem ser investigadas sob novas perspectivas, tendo em vista que nesse momento a região foi tomada por intenso movimento de greves, liderada por anarquistas espanhóis e italianos, quando então estava em gestação uma classe operária nos países do Cone Sul.
A economia vigorosa dos frigoríficos em Santana do Livramento teve seu início em 1917 e viveu o apogeu no período da Segunda Guerra entre 1940-44, quando a indústria de carnes abastecia as frentes aliadas. Esse processo vinha desde o advento das charqueadas e, mais tarde, com a indústria frigorificada consolidou-se a exportação de carnes de qualidade para o consumo da população da Europa e Estados Unidos. Assim a região e as cidades próximas a ela, se tornaram um porto seguro para muitas famílias de emigrantes, especialmente os libaneses.
Na década de trinta, a cidade de Bagé, localizada a cerca de 200 km da fronteira, fazia parte do mercado exportador de carnes. Haviam seis charqueadas e uma considerável comunidade de comerciantes sírios e libaneses, que vendiam a esses trabalhadores suas mercadorias consignadas. Outros se dedicavam ao cultivo de hortaliças e temperos. Algumas famílias radicadas em Rivera cultivavam hortaliças em quintas e vendiam para a extensa comunidade libanesa que ali morava. Fouad Chein relembrou dessa troca comercial com Bagé, pois “os que plantavam em Rivera não dava para todos, papai comprava os que vinham de Bagé, dos nossos amigos patrícios"
A primeira geração de emigrados libaneses no Uruguai e na região da fronteira mostrou características semelhantes a outros países da América, composta por jovens solteiros que buscavam estabilizar-se financeiramente. No entanto, em meados dos anos cinqüenta vai se configurar um segundo processo imigratório na região, apresentando aspectos diferenciados daquela primeira geração. Segundo apurei preliminarmente, a maioria dos cidadãos que aportavam em Montevidéu já apresentavam conhecimento da fronteira, por meio de informantes. Através de dados minuciosos do lugar e com algum conhecimento básico do idioma local, sentiam-se seguros para iniciar o ciclo de prosperidade e árduo trabalho. Os que deixavam o mediterrâneo haviam recebido o convite de um parente próximo para seu estabelecimento na fronteira uruguaio-brasileira. O episódio protagonizado pelos amigos Antonio El Tors e Ibrahim Tarabay ilustra esse momento.
Antonio Iskandar El Tors e Ibrahim Tarabay, nascidos no Líbano, emigraram para o Brasil e Uruguai no início dos anos cinqüenta, integrando segunda geração de libaneses que residem na fronteira. Contudo, sua trajetória na América do Sul foi bastante diferenciada. Antonio, ao contrário de Ibrahim, emigrou para o Brasil com objetivo de desfrutar um “modelo brasileiro de viver”. Buscava o convívio alegre e caloroso da população, conforme anunciavam alguns de seus amigos que já tinham conhecimento e haviam trabalhado no país. Ibrahim, por sua vez, chegou ao Uruguai em meio a uma tragédia pessoal, e teve seu destino modificado. Esses dois libaneses, mesmo tendo conhecimento mínimo do idioma, buscavam um novo modo de viver, conforme anunciavam as publicidades do Brasil feitas no exterior.
No ano de 1956, Ibrahim deixou seu comércio e a família no povoado em que nasceu, ao norte do país, na fronteira com a Síria. Lá, havia casado há pouco tempo e tendo poucas perspectivas de trabalho, aceitou o convite para conhecer a América. Seu tio vivia confortavelmente em Rivera desde os tempos da Primeira Guerra. Em 1956, em meio a forte emoção de ter perdido seu primeiro filho, de três anos de idade, viajou com a esposa até Rivera. Ibrahim não pretendia prolongar sua visita, mas mudou de opinião após conhecer a fronteira e as boas possibilidades de trabalhar. Trabalhou por muitos anos com seu tio, em uma loja e na propriedade rural da família. Com a morte do tio herdou várias propriedades e montou seu comércio em Santana, a popular Casa Líbano. A trajetória de Ibrahim reforça um aspecto peculiar dessa fronteira, pois mesmo possuindo comércio no lado brasileiro, viveu e educou seus filhos em Rivera, e nunca quis mudar sua loja para o lado uruguaio. Alega que está satisfeito com a localização de seu comércio, no centro da linha divisória e de uma simpática vizinhança, composta por seu amigo Antonio El Tors e comerciantes palestinos, com quem diariamente conversa em árabe.
Antonio Iskandar El Tors chegou ao Brasil em 1950 até se decidir pela fronteira em meados de 1953. Por gostar de São Paulo, deu o nome de seu comércio localizado na linha divisória, de Supermercado Paulista. Adaptou-se plenamente ao Brasil, entre outros motivos, porque ‘ Ninguém pergunta aonde vai ou da onde vem!”Elegeu Santana para morar e criar seus filhos. Orgulha-se de visitar anualmente o Líbano, sua terra ”e nela manter muitas propriedades”. Todos em sua família falam árabe entre si, além da fluência em português e espanhol. Embora seus filhos tenham nascido no Brasil, são casados com mulheres libanesas. Antônio, no entanto, apesar de morar há mais de 60 anos na região, pouco aprendeu das línguas portuguesa e espanhola. Sua fala é acentuadamente árabe, e uma mistura das três línguas. A trajetória singular de Antonio pode ser caracterizada por essa linguagem híbrida, em uma espécie de resistência cultural que não o permite dominar plenamente nenhum dos dois idiomas falados na fronteira. Foi com muita dificuldade que com ele convesei, sendo auxiliada constantemente por sua nora, a libanesa Lourance, que fala fluentemente o português. No seu lar, a figura do patriarca é notadamente considerada, seus filhos, noras e netos se comunicam entre si em árabe. Observando os poucos libaneses que residem na fronteira, penso que essa prática de Antonio e sua família teve bons resultados, diante de outros núcleos que chegaram à fronteira na primeira geração e perderam a referência da língua. Os pioneiros geralmente casaram-se com pessoas da região. Integraram-se socialmente na comunidade e aos costumes locais, mas acabaram perdendo o contato com a língua mãe.
A trajetória dos irmãos Chein serve para ilustrar a adaptação e descaracterização dos costumes árabes impostos na terra estrangeira. Os irmãos Fouad e Inácio Chein, nascidos e batizados no Líbano chegaram ao Brasil em 1914, acompanhados de seus pais, Nahim Jorge Chein e Kanra Azario Chein. Fouad com apenas alguns meses de vida e Inácio ainda não havia completado dois anos. À procura de um lugar para fixar moradia, seus pais após percorrerem capitais como Rio de Janeiro e São Paulo, se decidiram pela cidade de Bagé. A escolha provavelmente tenha se dado pelo fato de que naquele momento a cidade abrigava um grande número de imigrantes árabes, em torno de um emergente centro comercial e industrial. Durante os dezesseis anos que viveram nessa cidade, a família costumava conversar em árabe, mantendo os costumes da pátria distante. Esse fato foi decisivo para os irmãos Chein terem crescido dentro da cultura libanesa. Fouad Chein, hoje com 96 anos, recorda-se das noites em que sua mãe, católica, fazia diariamente os filhos sentarem-se em roda, no chão, para rezar em árabe antes de irem para a cama. No entanto, a proximidade cotidiana dos costumes árabes não impediu que seus pais optassem pela nacionalidade brasileira, quando os irmãos ainda eram pequenos. Então Fouad e Inácio Azario Chein tornaram-se os brasileiros Fouad Azario dos Santos, sua mãe, Ámira Azario dos Santos e seu pai, Nahim Jorge dos Santos. Contudo, quando seu pai decidiu partir para a fronteira de Santana do Livramento e Rivera, suas vidas vão tomar um rumo muito diferente.
No início da década de trinta a família Chein sentiu de perto o desprendimento dos patrícos radicados ali pelas raízes libanesas. Sem o estímulo necessário, com o passar do tempo foram desaprendendo o árabe. Embora Santana fosse atrativa para os negócios, culturalmente os desarticulava e afastava do Líbano. Um dos maiores entraves que a família conheceu foi a escassez de compatriotas que dessem continuidade na língua pátria. Diferente de Bagé, onde existia uma vigorosa comunidade, em Santana havia poucos libaneses para se relacionar e dar continuidade a seus costumes. Sua sociabilidade então passou a ser dividida com as famílias de Salim Miguel e Rage Maluf. Entretanto, Salim e Rage haviam constituído um clã brasileiro, onde a segunda geração nunca foi estimulada a falar o árabe. Fouad e Inácio sentiram a necessidade de trabalhar, para auxiliar seus pais com sua extensa família. Logo souberam que o êxito dos negócios estava ligado à fluência da comunicação em português. A necessidade em se relacionar com os clientes e com comunidade fronteiriça exigia dos imigrantes a fluência nos idiomas português e espanhol. Outra limitação estava relacionada ao casamento. Casaram-se com mulheres brasileiras que não tinham interesse que seus filhos convivessem com a cultura árabe. Alguns motivos para esse fato, talvez seja a discriminação que essa geração de primeiros imigrantes sentiu logo no início de seu estabelecimento em Santana.
Ao contrário de Rivera, a cidade brasileira possuía uma comunidade conservadora e estratificada, onde os estabelecimentos comerciais eram fundados na tradição familiar. A maioria das casas era identificada com brasileiros natos, mantendo uma certa resistência aos comerciantes estrangeiros. Os imigrantes logo souberam que naquela região, a respeitabilidade e a ascensão social estavam intimamente ligadas. Desse modo, seus descendentes tinham que estar desvinculados de sua terra natal e da condição de “turcos” imigrantes. A solução para algumas famílias foi o esquecimento de seu idioma pátrio, absorvendo totalmente a cultura do país que os acolhia. Esse seria o legado a ser deixado pelos pioneiros aos filhos, integrados completamente na terra estrangeira.
Os irmãos Chein seguiram a trajetória exitosa de muitos imigrantes. Fouad, com apenas 14 anos, empregou-se na Casa Castro, tradicional comércio de tecidos e roupas de qualidade. Mais tarde integraria-se na maçonaria, completando um ciclo de aceitação pela sociedade local. Inácio trabalhou em casas de comércio até fundar seu próprio empreendimento, a Casa Garota. Foi então que propôs sociedade ao irmão. Em 1950 foi fundada a Casa Chein, para fazer a concorrência com outras lojas de qualidade, como a Loja Renner, o Varejo Martins, a Casa Castro e Casas Pernanbucanas. Retomando o vigor de sua ascendência libanesa, o comércio se notabilizou, através da estratégia publicitária criada por Fouad: Vamos a Casa Chein? Onde um cruzeiro vale cem! O anúncio permanece na memória fronteiriça.
Texto apresentado por Liane Chipollino Aseff no Festival Sul-Americano da Cultura Árabe, que acontece até o dia 31 de março em São Paulo. O texto integral fará parte de um livro sobre cultura árabe na América do Sul, abordada em variados aspectos, que será lançado durante o evento. Na foto, o pioneiro comerciante Foued Chein, de 92 anos, fotografado recentemente, em frente a sua loja.
Meu Avo nao passou os costumes Libaneses aos seus decendentes.Eu lembro que todos os domingos na casa dele tinha,kibe,lentilha,pao sirio,e o radio sintonizado nas notiçias arabes.Agora que eu tenho 37anos e internet comecei a resgatar a historia da minha familia.So sei que minha tataravo se chamava:Badra Hallal Malcom.Minha bisavo Filomena Malcom Deble.Meu avo:Gabriel Deble.Estou aprendendo falar arabe e ensinando meus filhos.Vou pesquisar descobrir de que lugar do Libano eles vieram.Tenho muito orgulho de dizer que sou decendente de Libaneses.Alias nem preciso dizer,que meu nariz,meu cabelo preto e meus grandes olhos nao escondem a raça...
ResponderExcluirMinha familia mora em Bage(rs)e meu avo,trabalhava com eletronica,meu Pai e Tios,todos conhecidos como:``os turcos da Eletronica Santa Maria´´!
ResponderExcluirOi Badra Vanessa!
ExcluirEnvie um email para a gente, no memorias.boemias@gmail.com , pois gostaria de trocar umas idéias com você. Obrigada, Liane Aseff.
Oi Liane,como podemos nos comunicar,via email ou face.Eu nao tenho face mas acho que vou criarum.Eu procuro tudo que fale sobre Libaneses e suas familias pq sou apaixonada pelo Libano.E como se eu tivesse nascido la e vindo a força para o Brasil.Etou entrando em contato com um Senhor decendente,que vai ao Libano de vez em quando,e Ele sabe alguma coisa sobre meus parentes de la.Meu telefone e:53 3241 36 17
ResponderExcluirGracias Liane por dejarnos a nosotros descendientes , que vivimos en esta frontera ,saber la historia de la imigración Arabe.
ResponderExcluir