O anúncio, como um raio, atingiu todo o Rio Grande, cujo povo queria resistir e ir para luta. (...) Em fins de março, durante a Semana Santa, fui para Ijui, para fazer contato com os companheiros, com lideranças políticas, dirigentes sindicais e de entidades de classe. (...) Lembro que (...) bati na porta da casa de nosso companheiro Walter Arbo que (..) disse-me da preocupação que acompanhava os últimos acontecimentos. Concordei com ele mas procurei tranquilizá-lo, pois acreditava que os militares, sendo legalistas e tendo jurado defender a Constituição, impediriam qualquer tentativa de golpe. (...) Quando me preparava para viajar, bateu à porta de m/casa o Arno, trazendo-me a noticia de que, iniciava-se o golpe de estado. Liguei o radio e ouvi a Guaiba, dando as noticias. (...) Fui ouvido na Radio (Progresso, de Ijuí) e reafirmei minha confiança no Governo e a certeza de que a democracia não seria esmagada por um golpe liderado por maus brasileiros a serviço do capitalismo internacional e dos interesses da extrema direita. Logo, a Radio Guaíba e Gaúcha passaram a anunciar a Cadeia da Legalidade (tentando reviver l96l) (...) Infelizmente, já no dia seguinte, a situação começou a mudar e logo a tarde, alguns oficiais legalistas, foram afastados das reuniões do Comando. Quando (...) veio o pronunciamento do então Prefeito Sereno, informando que o Presidente Jango havia desistido da resistência, já que qualquer luta, mesmo vitoriosa, exigiria o sacrifício de muitas vidas e estas eram mais preciosas do que a eventual manutenção do poder. Naturalmente, ficamos acabrunhados. O povo que, na noite anterior, compareceu à Praça da Republica, aplaudindo os oradores e reafirmando sua disposição de lutar, após uma passeata pelas principais ruas da cidade, havia se recolhido, certo de que iríamos à luta e, agora sim, com nossa vitória, encerraríamos os ciclos de periódicas tentativas de golpe, estava novamente na rua, fazendo manifestações e reafirmando sua disposição de defender o Governo legítimo. A noticia surpreendeu a todos e, aos poucos, foram se dispersando e tomando o rumo de seus lares.
Dos apontamentos inéditos do deputado Beno Orlando Burmann (PTB-RS), cassado em 1964, na foto copiada e (mal)reproduzida do Jornal da Semana, de Santana do Livramento. Os textos de Burmann foram a mim confiados pelo seu filho, Sérgio, que também seguiu carreira política na sua Ijuí natal. No relato, inacabado e escrito poucos meses antes de sua morte, Burmann dá a sua versão para o momento seguinte ao golpe de 1964. Publicado originalmente em meu livro, intitulado Retratos do Exílio - solidariedade e resistência na fronteira (Edunisc, 2009).
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