Observando a imagem de meu pai, Jesus Aseff, e meu tio, Antônio, ao lado de um dos cachorros da Praça Flores da Cunha, algumas coisas me vieram à cabeça. Na verdade, muitas coisas.
Vendo aquela cena alegre da infância santanense, nos idos de 1940, penso em que espaços urbanos nossa infância de hoje pode ocupar, para se divertir, passear, ou apenas sorrir despreocupadamente como os meninos da foto?
Pelo que sei, a Praça da Bandeira vive já há alguns anos “assombrada” por todo o tipo de pessoas marginalizadas e com mato alto ao redor. Mesmo o Parque Internacional não oferece mais a segurança necessária, antes do sol se por. Da periferia, dos bairros afastados e esquecidos, melhor nem falarmos, pois seria ainda mais trágico.
E a Praça dos Cachorros? Para começar, roubaram os cachorros e o que sobrou do espaço público que ainda resistia bravamente nos anos 80, está intransitável. Aliás, nada sobrou.
Daí me vem à mente algumas canções e jingles que povoaram nossos anos recentes. O primeiro deles é o velho “Sem medo de ser feliz”, das campanhas de Lula, lembram?
Conversando com o escritor Luciano Machado, ele me dizia estar temeroso do real engajamento da população nessa campanha de recuperação da praça, pois os jovens de hoje não conheceram o local em seu esplendor de espaço público. Se acostumaram ao que hoje está ali. Em outras palavras, tem medo de ser felizes. Ou nem desconfiam o que é felicidade.
Aí volta na minha cabeça a velha canção que diz: “Quando nascemos fomos programados, a receber de vocês, nos empurraram com os enlatados, dos USA, de nove às seis. Desde pequenos nós comemos lixo, comercial e industrial ...”.
Quer dizer, essa geração não consegue visualizar uma cidade renovada, feliz e desfrutável, a exemplo do que acontece nas praças de Rivera (desculpem, a comparação é inevitável), que parecem estar a 100 quilômetros de distância, mas estão a poucas quadras dali.
“Nada mais me deixa chocado”, já prenunciava aquela canção dos Paralamas. Hoje, somos uma sociedade que não teve o mínimo suporte educacional e cultural, está entupida de violência e com medo, muito medo de ser feliz.
Lembro do Parque Internacional como um território ao mesmo tempo lúdico e de resistência. Por ali passaram quantos militantes das organizações de esquerda, que buscavam refúgio no Uruguai dos anos 60? Quantos agentes da CIA, dos serviços secretos brasileiros também? Antes disso, quantos comerciantes, pistoleiros e ciganos no velho Areial ? Líderes políticos sob a influência das idéias anarquistas, comunistas e depois os partidários de Prestes?
Pela Praça dos Cachorros, então, quantos enamorados se beijaram e também quantos exilados buscaram ali uma visão reconfortante do país que eram obrigados a abandonar?
Logo após a chacina que vitimou quatro militantes comunistas em frente ao Café Tupinambá, no Largo Hugolino Andrade, em setembro de 1950, foi na Praça dos Cachorros que os companheiros de Rivera se uniram para jurar vingança e execrar o arbítrio.
E hoje, onde se reuniriam? Onde está o povo que merece ser feliz? Se esse local histórico, ele mesmo é um ator dessa memória, não é justo que o tenhamos de volta?
Por isso, pede-se aos homens públicos dessa terra, ao prefeito, ao intendente e vereadores, o mínimo de responsabilidade com as gerações presentes e futuras.
Não se está pedindo que vislumbrem muito além, como Georges Haussman, que modernizou Paris no final do século 19, com os bulevares que até hoje fazem o marketing da cidade.
Nem mesmo que sejam um Pereira Passos, que saneou o Rio de Janeiro nos inícios de 1900.
Mesmo esses dois grandes administradores incorreram em muitos erros, pois mexer com o social nunca será uma receita pronta e fácil.
Não se está pedindo que estas pessoas que hoje ocupam a Praça e o largo até o Teatro de Rivera sejam colocadas “porta-afora”, como foras da lei. Não.
Aí é que entra a responsabilidade dos administradores e políticos, que antes de mais nada precisam regularizar a situação destes comerciantes, legalizá-los e colocá-los em local apropriado.
Vejam os centros populares de compra que surgiram em capitais como Belo Horizonte, Florianópolis ou Porto Alegre e tome-se como exemplo.
O que parece líquido e certo é que da maneira como está hoje, a Praça General Flores da Cunha e o Largo Hugolino Andrade não servem como paradigma de uma cidade turística, moderna e aprazível.
O espaço da Praça deve voltar a ser cristalino e todos aqueles que não tem medo de ser felizes devem lutar por isso.
Essa é a primeira de muitas batalhas que devem vir, na busca de uma Santana e uma fronteira cada vez melhor para todos. A inclusão das periferias abandonadas tem de ser o passo seguinte.
Texto publicado originalmente no blog Santana do Livramento, em defesa da liberação da Praça Flores da Cunha e sua devolução a população da fronteira.
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