É 22 de janeiro de 2006 na cidade de Caracas. Os olhos, estrangeiros e
curiosos, procuram a vida que pulula na grande capital venezuelana. Pela
minúscula janela do pequeno e velho coletivo que atravessa a cidade é
possível vislumbrar algumas bandeiras tingidas de vermelho, azul e
amarelo: as cores do país. No chiquérrimo bairro de Altamira uma marcha
está se formando. São os “esquálidos”, opositores do governo Chàvez, que
se manifestam pedindo eleições livres. Segundo eles, até agora, as mais
de dez eleições que ocorreram na Venezuela, inclusive um referendo
nacional, não aconteceram dentro da legalidade. Mas, na verdade, o que
querem – e é o que dizem seus cartazes e consignas – é que Chàvez deixe o
cargo de presidente. Não o suportam. “É um louco, ditador. Quer acabar
com o país”, dizem. Na caminhada pelas ruas bonitas dos bairros mais
ricos a aparência dos manifestantes chama a atenção. São mulheres muito
bem trajadas, algumas com seus cachorrinhos de estimação. Boa maquiagem,
viseiras coloridas, tênis e óculos de grife. Os homens ostentam
elegância e mostram um certo desajeito na prática de protestar. Mas há
também algumas alas de trabalhadores, mais empobrecidos, com bandeiras
de sindicatos. Vez ou outra também se percebe, tremulando, a bandeira
estadunidense. Não se vê soldados. Tudo flui com tranqüilidade. É a
primeira imagem da cidade captada pelas retinas, que logo vão perceber
os paradoxos e contradições desta sociedade que ensaia, há sete anos,
uma guinada para o socialismo.
O ônibus segue seu caminho em direção ao bairro Sabana Grande e em
poucos minutos a cidade parece trocar de lugar. Como num passe de
mágica, outra Caracas surge. Não mais as ruas limpas, os enormes
out-doors, os prédios clarinhos, os carros importados, os centros
comerciais, as gentes bem vestidas. O que se vê são calçadas tomadas
pela infinidade de barracas de lona do mercado informal. As ruas estão
sujas, há lixo nas esquinas e as pessoas comuns estão envolvidas em uma
outra marcha: a da sobrevivência. O grande bulevar da Sabana Grande é
pura degradação. Nele vicejam os hotéis de encontros fortuitos, os
mendigos, alguns garotos e garotas drogados e mais e mais barracas onde
se vende tudo o que há. Mais adiante, na direção da periferia,
desaparecem os toldos de lona e surgem as imensas comunidades de tom
marrom, que se espalham pelos morros cheias de barracos de tijolo ou
lata. É gritante a divisão das duas Caracas, o que torna mais
compreensível a guerra ideológica que é travada nas ruas. Nos bairros
ricos e limpinhos as pessoas lutam para manter a vida pequeno burguesa,
aparentemente protegida, que o dinheiro pode comprar. Nos bairros
degradados e na periferia as gentes lutam por mudanças concretas que as
levem para uma vida digna, de riquezas repartidas. Essa dicotomia de
projetos é tão visível e densa que quase se pode tocar com as mãos.
Os informais
A grande cidade caraqueña pulsa. Ela é toda som. As ruas cheias de
barracas de vendedores ambulantes são como enormes salões de baile a céu
aberto. As músicas típicas da Venezuela, a “llanera”, a salsa, o
merengue e o regatón ecoam por todos os trajetos que se pense fazer,
numa altura inominável. Vende-se de tudo e, aparentemente, não há
conflito com os vendedores formais, das lojas. O alcade (prefeito) de
Caracas, Freddy Bernal tem bem claro que essa não é a vida que o povo da
cidade quer ou precisa, mas afirma que está seguro de que os governos -
federal e local - estão atacando as causas. “Nós poderíamos reprimir,
impedir, mas em que estaríamos ajudando? A aumentar a criminalidade? O
que estamos fazendo é o esforço de reativar a economia, apostando na
criação de cooperativas de trabalhadores. Mas isso não se resolve num
dia. A questão do trabalho informal é um assunto de Estado e é assim que
o estamos enfrentando”.
Nas barracas, as opiniões se dividem. Um velho artesão é o primeiro a
protestar: “Aqui temos o Fórum Mundial da fome e da insegurança e o
governo não está conseguindo mudar isso. Temos médicos formados que
estão trabalhando como ambulantes agora. Enquanto isso, Chàvez traz os
cubanos para cuidar da saúde do povo. Ele tem que dar emprego é para
nossa gente”, reclama. Já os três jovens da barraca ao lado discordam
veementemente: “Por mais de 50 anos os médicos venezuelanos recém
formados se recusaram a ir para interior, para os bairros, para a
periferia. Só queiram ficar na capital, ganhar dinheiro às custas da
dor. Agora, com Chàvez, eles tiveram sua chance de ajudar o povo. Não
quiseram. Então foi preciso apelar para a solidariedade. Vieram os
médicos de Cuba e estamos tendo acesso à saúde nos lugares mais
distantes e pobres”.
A luta de classes está estabelecida em cada esquina. Contra ou a favor,
as gentes da capital discutem e declaram suas opiniões. A batalha de
idéias fervilha no metrô, nos ônibus, nos bares, nas barracas, em todo
lugar. Jornais de direita e esquerda vendem aos borbotões. Raramente se
vê um caraqueño sem um periódico na mão. Mesmo os que se dizem neutros
arriscam falar: “Eu não sou chavista nem esquálido. Acho que têm algumas
coisas boas sendo feitas, mas o que acontece é que o presidente está
muito mal de acompanhantes. Muita coisa fica barrada pelos governadores e
alcaides”, diz um dono de loja de material fotográfico. As pessoas
tampouco desconhecem que por centenas de anos o país esteve entregue à
mera extração do petróleo. Quase nada se fabrica na Venezuela, pouco se
planta. Tudo o que os venezuelanos precisam, o dinheiro do petróleo traz
de fora. Daí a dificuldade em resolver a questão do trabalho informal.
Antes de prometer emprego para toda a gente alijada do processo
produtivo, o governo de Chàvez precisa criar uma rede de produção
endógena – “desde adentro”. Além disso, há que trabalhar toda uma nova
cultura de produção agrícola que não é coisa que se consiga em poucos
anos. “As coisas estão indo no rumo certo. Temos agora um fundo que
dispõe recursos para projetos produtivos nas comunidades organizadas,
temos o governo apoiando as fábricas ocupadas, temos a Missão Zamora,
que incentiva o plantio das terras. A caminhada é lenta, pois as
mudanças são radicais. Por isso, antes de tudo, é preciso educar o povo
para uma nova sociedade. Sem isso, não avançamos”, afirma, cheia de
esperança, a professora de escola infantil, Rosa Herrera. O filho de
camponês, Marcos Hernandez, que vive no Estado de Zulia, fronteira com a
Colômbia - e desfilava orgulhosos na marcha do fórum - confirma as
palavras de Rosa. Ele, junto com toda a família, faz parte da Missão
Zamora e acredita que com o incentivo do governo e a educação dos
camponeses a terra vai começar a parir em todos os cantões da Venezuela.
“Está na hora de plantarmos nossa própria comida”.
Os telefones de aluguel
Em meio à babel de cores e sons, a cidade de Caracas oferece um serviço
absolutamente essencial: a telefonia de rua. Ao contrário do Brasil, em
que quase cada ser tem um celular, na capital venezuelana as gentes usam
o serviço das barraquinhas informais. Em todas as esquinas dos bairros
mais populosos e do centro há uma mesa com vários celulares presos por
uma corrente e uns dois telefones fixos. Por 300 bolívares – que
equivalem a 30 centavos de real – qualquer um pode chamar a qualquer
lugar, inclusive para o exterior. Ocorre que na Venezuela existe um
serviço de telefonia fixa que é feito por satélite, portanto não é
necessário que o telefone esteja conectado a um ponto na parede.
José Menezes, 33 anos, é um desses trabalhadores que monta sua barraca,
todos os dias, em algum ponto movimentado da cidade. Ele não é o dono
dos telefones. Trabalha para uma mulher que tem vários aparelhos
distribuídos pelo centro e é ela quem fica com o lucro maior. Cada linha
de telefone fixo custa em torno de 170 mil bolívares (170 reais) e os
“moviles” (celulares) custam 180 mil. Assim, para montar uma barraca com
telefones próprios é preciso um pequeno capital. José é soldador de
profissão, mas já faz alguns meses que está desempregado. Então, o jeito
foi encontrar uma saída no trabalho informal onde consegue tirar perto
de 100 mil bolívares por semana (100 reais). “É pouco, mas já dá para
sustentar a mulher e os dois filhos”.
Crítico do governo Chávez, ele insiste em dizer que tampouco é
esquálido. Reconhece que o governo está fazendo muita coisa boa. “Os
restaurantes populares são uma bênção. Têm comida de graça e salvam a
nossa pele. As missões Robinson (educação superior) e a Ribas
(alfabetização) são excelentes. Os médicos cubanos estão chegando aonde
nunca ninguém chegou. Mas, há coisas por fazer. A Venezuela é um país
muito rico por causa do petróleo e esse dinheiro tem que vir para os
pobres. O presidente é bom, ampara os necessitados, mas acho que ele
viaja muito. Tem que cuidar mais aqui de dentro”. José também acredita
que é preciso investir mais na educação para mudança de hábitos. Diz que
a missão Mercal, que distribui alimentos em mercados populares a custo
muito baixo, também precisa de reformas. “O povo joga fora os alimentos
que acredita não interessar. Isso é errado. Nunca se deve jogar comida
fora”. Outra crítica que faz é com relação ao trabalho informal. “O
presidente disse que não descansaria enquanto não tirasse todo mundo da
rua. Já passou o tempo e a gente ainda está aqui”. José conta que nunca
votou. Não confia em políticos. Agora, Chàvez caminha para mais uma
eleição e quer fazer 10 milhões de votos. “E aí, vais votar?”. Ele
sorri, pensa um pouco e brejeiramente faz suspense até responder: “No
sé!”
Miraflores
Está bem ali, no meio do caos urbano, perto do fervilhar das barracas e
do povo em confusão. Não é permitido andar pela calçada da frente,
apenas pelo outro lado da rua. Mesmo assim, circulam livremente carros e
gentes num ir e vir frenético. No portão principal do Palácio
Miraflores ficam alguns “boinas rojas”, da guarda nacional, que são
sempre muito simpáticos e abertos a conversas. Cumprimentam, apertam
mãos, sorriem. “Do Brasil? Que belo. Estivemos lá, na semana passada,
com o presidente. Estejam à vontade!”. São todos muito jovens, quase
meninos. Fotografias não são permitidas e isso até parece pueril quando
se percebe que, por todo o lado, estão os prédios altos de habitações
populares. A impressão que passa é de que da janela do quarto andar de
qualquer um daqueles edifícios pode-se ver o presidente dentro do
palácio. Mas, é só impressão. A segurança de Chàvez, apesar de amistosa,
é bastante eficaz e cuidadosa.
Naqueles dias de Fórum Social Mundial, com mais de 80 mil pessoas
circulando por Caracas, não foram poucos os visitantes dispostos a
perscrutar cada detalhe do prédio, rememorando os fatos mais quentes da
história recente, quando do golpe em 2002. “Eu fiquei ali, olhando o
portão de ferro onde o povo lutou bravamente para ter Chàvez de volta
durante o golpe de Carmona e seus comparsas. Foi uma emoção muito
forte”, conta o mexicano Adolfo Morales, professor de Economia na
Universidade Autônoma do México, que perambulou pela rua por um longo
tempo, a olhar com profunda reverência cada rosto caraqueño que lhe
sorria. “A gente vem e vê onde o povo resistiu, onde alguns venezuelanos
morreram para defender a Constituição e parece que tudo fica mais forte
no coração”, diz, emocionada a estudante paraguaia Laura Torres.
Misturado ao corre-corre de Caracas, Miraflores não tem nada de
especial. É um grande prédio amarelo-pálido, por onde entram e saem
trabalhadores e soldados de boina vermelha. Mas, como num encantamento -
que pode ser tudo o que significa a revolução bolivariana - ele adquire
uma aura que transcende ao arquitetônico. Quem viu o vídeo “A revolução
não será televisionada” não pode deixar de se arrepiar ao caminhar por
aquele paço onde milhares de pessoas trouxeram de volta, no grito, na
raça, o seu presidente. “Chàvez tem o coração bom, é um homem bendito.
Nós o amamos. O que move os esquálidos contra ele é o ódio. É que antes
tudo era para os ricos. Agora, é para o povo todo. Por isso o queremos”,
conta a professora Sormarina Enrique, que esteve lá, na rua, em defesa
do presidente. “Nas eleições, Chàvez vai varrer. Faremos os 10 milhões”.
O interior
A cidade de Puerto Ordaz fica na beira do Orinoco e tem sua economia
baseada no setor de mineração e industrial. Dali sai ferro, bauxita,
ouro e alumínio. Dos seus rios sai a energia elétrica que supre quase
70% do consumo do país. É uma cidade rica que também enfrenta os mesmos
paradoxos que a capital, Caracas. Ali vive Alberto Soares, 54 anos, um
típico trabalhador venezuelano que aposta toda a sua vida na proposta da
revolução bolivariana. Filho de um maquinista de trem, criado nas
minas, ele não tem dúvidas em dizer que agora o país está bem melhor.
“Quando eu era soldado tinha como missão levar as cartas que chegavam
para o presidente. Lembro que ninguém nem abria aqueles envelopes. O
povo não tinha vez. Hoje não. As cartas são entregues ao Chàvez, ele lê,
responde na televisão ou por carta também. Isso é bom. Temos os médicos
cubanos que atendem a todo mundo. Antes, um trabalhador não tinha
condições de comprar óculos. Hoje os ganhamos. Estamos também
incrementando a indústria. A Venezuela vai fazer tratores e vender para o
Irã. Havia mais de 20 anos que não eram criadas universidades. Hoje
temos a Universidade Bolivariana, ensino de graça para todos. Que mais a
gente pode querer?”.
Alfredo conta que trabalha atualmente num dos mercados populares criados
pelo governo para abastecer as populações empobrecidas. “O Mercal é uma
coisa ótima, permite que as pessoas possam comprar alimentos baratos.
Antes, os empresários faziam o preço que queriam e os pobres ficavam na
mão. Hoje, num Mercal, o quilo de frango - base da comida venezuelna –
custa 1.500,00 bolívares (equivalente a 1,50 real), enquanto que nos
mercados privados passa dos quatro mil bolívares (quatro reais). “Os
empresários não gostam, mas eles precisam aprender que é preciso
investir na produção e que a prioridade tem de ser o povo. Hoje, com o
Mercal, o alimento chega a todos, até nas comunidades indígenas”.
Para o trabalhador de Puerto Ordaz a vida só melhora. “Imagina se eu ia
conseguir emprego com 54 anos, antes da revolução bolivariana... Quando
fui procurar uma vaga no Mercal, ninguém me perguntou a idade ou minha
filiação partidária. Eu sou crítico. Se o governo faz algo errado, eu
protesto, mas o que é bom tem que ser dito”. Alfredo conta que enfrenta a
divergência dentro da própria casa. A mulher dele, professora primária,
é anti-chavista mas, segundo Alfredo, sequer consegue argumentar
porquê. “Eu digo que agora as coisas funcionam. Ela diz que o estado
está militarizado. Está bem, é verdade. Mas eles (os militares) são mais
honrados que os civis. Quando os civis tiveram sua chance de governar
não responderam bem”. Como quase todo venezuelano, Alfredo está muito
bem informado sobre o que acontece na Venezuela e no mundo. Diz que tem
um pouco de medo do que os Estados Unidos podem fazer contra Chàvez e
contra seu país. Lembra do que aconteceu no Iraque, no Afeganistão e no
Chile, com Allende. Mas, como conhece todas as missões que estão em
andamento, acredita que o povo vai saber defender esse patrimônio que
estão construindo.
Puerto la Cruz fica na beira do mar do Caribe. Vive do turismo, de
algumas indústrias e tem uma das mais importantes refinarias de
petróleo. André é motorista de táxi e vive ali desde menino. Também vê
com bons olhos o que acontece no país. Sabe que as coisas estão melhores
do que antes, mas tem lá as suas críticas. Segundo ele, em sete anos de
governo, já era para Chàvez ter resolvido algumas questões fundamentais
como a da moradia e do emprego. Ele tem pressa. Jesus é produtor de TV e
também acredita na mudança que a revolução bolivariana vem provocando
na vida de todo mundo. “O problema é que Chàvez está mal cercado. Tem
muito governador e alcaide que faz as coisas erradas. Eles têm seus
protegidos e isso tira a confiança do povo. O presidente tinha que ficar
mais atento a isso”. Angelita é dona de um pequeno restaurante na beira
do mar. Não gosta de Chàvez e nem quer falar sobre política. “Ele é
muito autoritário. Não gosto e ponto”.
Na Isla Margarita, principal reduto turístico do país, no meio do mar do
Caribe, há um sentimento anti-chavista bem grande, pelo menos entre os
profissionais liberais e comerciantes. Ninguém apresenta argumentos
muito claros, mas é visível a incomodação que provoca qualquer
comentário positivo ao presidente. “Aqui ninguém quer saber de Chàvez. E
se ele ganhar as eleições alguma coisa vamos fazer. Não vamos aceitar”,
diz Reñedo, que vive de levar turistas a passear no seu táxi por toda a
ilha. No centro da capital, Asunción, apesar de serem visíveis as
atividades das missões bolivarianas, parece que as pessoas ainda não
conseguiram assimilar a importância do que está acontecendo. Na beira da
praia de El Humo, um pescador, vestido com uma camiseta da missão
Robinson admite que é bom que chegue a educação, mas não tem opinião
alguma sobre Chàvez. Diz que nem vota.
Noris é assistente social do estado de Nova Esparta e está na estrada
pedindo carona. A alcadia não tem recursos para transporte e o ônibus
demora demais. Ela também compartilha da idéia de que quem estraga o
trabalho de Chàvez são os governantes locais. Ela mesma se vê frustrada
no seu trabalho diário. “Eu visito as famílias, vejo quem tem
necessidade de ajuda, de emprego, de cesta básica. Faço os relatórios,
encaminho os pedidos, mas as coisas ficam barradas na burocracia. Muitos
dos alcaides e governadores primeiro ajudam seus amigos. A gente fica
desacreditada”. Já os pescadores da praia de Manzanillo culpam Chàvez
até pelo estado do mar. Naqueles dias de 2 e 3 de fevereiro não
conseguiram sair para pescar pois havia muita agitação na água. “Aqui
precisamos de novas construções para vender o peixe, de barcos mais
modernos. E nada vem”. Já Noris entende que o que precisa mudar na ilha é
a cultura de esperar sempre por alguém que dê as coisas de mão beijada.
“O povo não tem a cultura de se organizar e lutar pelas coisas. Não
consegue nem organizar o lixo, vê? Isso é um desafio para o governo
bolivariano. É o que precisa mudar antes de tudo”.
A vida segue...
O certo é que na Venezuela, entre a população, as opiniões se dividem de
forma muito clara. Há os que são a elite predadora de sempre e que não
quer, de maneira alguma, perder seu poder. E há os que têm muito medo do
socialismo, porque não o conhecem e são aterrorizados diariamente pela
empresas de televisão e de radiodifusão. Os programas de debates chegam a
extremos de agressividade contra a pessoa do presidente. Coisa que
nenhum outro suportaria. Jornalistas famosos dizem as maiores
barbaridades no rádio e na TV e ainda acusam o governo de censurar a
comunicação. Nada mais falso. Eles dizem o que querem e provocam o
pavor. Defendem o governo estadunidense da forma mais aberta possível e
dizem que se o presidente continuar a desafiar o país de Bush, a guerra
fatalmente virá. Muitos deles funcionam ainda como porta vozes das
autoridades estadunidenses, respaldando-os como homens de boa fé. Isso
causa confusão e muito temor nas camadas médias da população que temem
perder pequenos privilégios que o dinheiro garante.
Por outro lado, as televisões estatais apresentam os discursos de Chàvez
na íntegra e, neles, o presidente procura apresentar aos venezuelanos a
sua versão dos fatos. Com uma linguagem simples ele vai contando
histórias e trazendo informações sobre o que anda fazendo. Também as TVs
e rádios comunitárias fazem sua parte tentando mostrar outras coisas
que a TV comercial não mostra. A guerra ideológica também se explicita
nesse campo. Vários casos de agressão a repórteres populares são
registrados diariamente e há uma batalha na justiça contra um jornalista
de uma grande rede que chegou a quebrar a câmera de um repórter durante
uma manifestação de esquálidos. Há sempre uma tensão no ar e nada
garante a estabilidade da proposta bolivariana. Há muitas consciências a
ganhar e muito trabalho de base por fazer.
Nos bairros mais pobres também se apresenta uma ambigüidade. A maioria
das pessoas aposta na figura de Chàvez. É ele quem monopoliza a
esperança e a crença num tempo melhor. Quem nunca teve acesso à
educação, saúde, lazer, alimentação, devota a ele o maior amor. Isso
pode ser um caminho para o personalismo e o paternalismo, risco diário
da revolução bolivariana. Chàvez mesmo sabe disso e procura, via a
institucionalidade do estado, organizar as comunidades. Mas, mesmo ele
acredita que essa organização tem que nascer do desejo das gentes. Não
pode ser mais uma “doação” do governo. “Tivemos muitos anos de um país
dependente de tudo. Agora, temos de começar do zero. Esse é o nosso
maior desafio a vencer”.
Outro elemento importante para julgar os avanços sociais do governo
bolivariano é a consciência de saber que nestes sete anos - que parece
muito tempo – o presidente e seus aliados enfrentaram a elaboração de
uma nova Constituição, novas eleições presidenciais, um golpe de estado e
um referendo revocatório. Tudo isso foi feito junto com o processo de
instalação das missões que cuidam dos mais variados aspectos da vida da
população. Trabalho de gigantes, ainda em construção... A Venezuela é
uma promessa, tudo pode acontecer!
texto getilmente cedido pela jornalista Elaine Tavares, Mestre em Comunicação Social pela
PUC/RS e, segundo ela mesma, "Jornalista. Humana, demasiado humana. Filha de Abya Yala, domadora de
palavras, construtora de mundos, irmã do vento, da lua, do sol, das
flores. Educadora, aprendiz, maga. Esperando o dia em que o condor e a
águia voarão juntos, inaugurando o esperado pachakuti".
(foto: site Ola Bolivariana)
Publicado originalmente em 9/2/2006.
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