domingo, 28 de novembro de 2010

A poesia de Luis Carlos Bueno


Transição

Odeio a densidade quando ela torna-se idiota,
E meramente banal, quanto frívola.
Mesmo assim ainda podemos, apesar de tudo,
Cansarmo-nos de brincar, brindar,
Enfim divertirmo-nos de verdade.
Entretanto, antes de ensaiar a brincadeira do quatro
Tente, pelo menos, sorrir para foto.
Enquanto ainda puder.

Contudo, ainda não sabemos com relativa certeza,
se tudo realmente já passou;
Mas, mesmo assim, alguns insistem aplausos ensaiados.
Porém, não se sabe o por quê,
Dessa estranha sensação de horror.
O consolo que se tem, e isso é o melhor de tudo,
É que nada esta totalmente definitivo:
Nem tristezas nem alegrias.
Aproveitando o ensejo peço, com sua licença,
Ao menos, passagem...Gracias!

O poeta e suas erranças. Nesta obra híbrida, nascida de um tempo errante, Luis Carlos Bueno busca o verdadeiro reflexo dos espelhos. As imagens retidas no papel de bar, rascunhadas no preciso momento. Versos livres, nascidos em alguma rua amarelecida da fronteira uruguaia, ou sob a retina petrificada, viagem dentro das mil e uma noites de Porto Alegre.  Nesse universo confluente, de música regionalista e Miles Davis, de Carlos Gardel e Olavo Saldanha, revela-se um poeta antes de tudo preocupado com a crítica moral, com o desmascaramento da realidade pacífica, ilusória, e os gestos de arbitrariedade refinada. Mas também há o conflito interior, o eterno destruir das “meras ilusões de formalidades morais”.  Dentro desses mundos, vermelhos e interiores, exteriores e claros como o tórrido verão santanense, circula o poeta. Os anos que se passaram deixaram a palavra marcada pelo pó das estradas... Um livro que significa reação, um belo marco de resistência cultural da fronteira oeste. Quem sabe, o início de uma nova safra...

A propósito da Feira do Livro Binacional, lembramos acima o poeta santanense Luis Carlos Bueno (1963-2001). Abaixo da poesia, um esboço de prefácio para o livro Antes que o Dia Aconteça (ainda inédito), escrito no calor daqueles dias. Te lembramos sempre, amigo Bueno!

6 comentários:

  1. Resposta Ao Tempo
    (Aldir Blanc - Cristóvão Bastos)

    Batidas na porta da frente
    é o tempo
    Eu bebo um pouquinho pra ter
    argumento
    Mas fico sem jeito, calado
    ele ri
    Ele zomba de quanto eu chorei
    porque sabe passar
    e eu não sei

    Num dia azul de verão sinto vento
    há folhas no meu coração é o tempo
    recordo um amor que eu perdi
    ele ri
    Diz que somos iguais
    se eu notei
    pois não sabe ficar
    e eu também não sei

    E gira em volta de mim
    sussurra que apaga os caminhos
    que amores terminam no escuro
    sozinhos

    Respondo que ele aprisiona,
    eu liberto
    Que ele adormece as paixões
    e eu desperto
    E o tempo se vai com inveja
    de mim
    Me vigia querendo aprender
    Como eu morro de amor
    pra tentar reviver

    No fundo é uma eterna criança
    que não soube amadurecer
    Eu posso, ele não vai poder
    me esquecer

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  2. Bela lembrança de amigos. Nesta poesia o Bueno se deleita em versos, e elucida um universo artistico daquele momento.Numa fronteira temerosa ao novo. O ato de ignorar ou a "ignorância" era desprezada na roda, na mesa de estudo, nas madrugadas com filosofia e saraus singelos dos músicos.Procuravase uma saida, num momento dificil Essa revolução nas palavras despertam toda sua ansiedade frente ao mundo que estava imposto. E não teve saida.

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  3. Que saudade do Bueno, do seu charme e alegria, das inspirações!! Bom é ter sua memória e fazê-la viver, derramando mais impressões nos nossos corações.A fronteira era difícil para as inovações criativas, eu bem me lembro. Bueno não se deixou prender por amarras.Sua expressão poética é uma crítica as estagnações cotidianas, um eterno presente...

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  4. Convivemos com o "Bueno" em muitos momentos... No teatro com Olavo Saldanha, Bueno, nos bastidores, apoiando no cenário, nos figurinos, auxiliando atores e também algumas vezes entrando em cena. Quase sempre quieto, de poucas palavras, sorriso tímido, mas marcante. Ele gostava e se fazia presente em quase todos os movimentos culturais. Como trabalhador da educação, nos auxiliou nas eleições sindicais, que também Bueno tinha suas convicções políticas. Bueno, com sua bem vivida e curta vida nos mostrou que a humanidade precisa cuidados, rever valores, sentimentos, objetividades e a sua própria essência... Cada vez que o vejo em fotos, ou que falo com outra pessoa a seu respeito, ou que revivo-o na memória por um motivo qualquer, tento imaginar seus últimos momentos: foi pego de surpresa, a traição, estava calmo, experimentou pânico, horror... Teria gritado por socorro, não teve tempo pra isso? Luis Carlos Bueno... parece que poucos se importaram com tua mo rte (ao menos as autoridades policiais). Não nos é conhecido o teu algoz, o espírito humano que ceifou tua vida e já se passaram dez anos. Com que propósito e quem foi esse malvado que nos privou do teu convívio, da tua nova poesia, dos teus rabiscos, do teu chegar (nos ensaios teatrais) leve como uma sombra, que percebíamos por sobre o ombro, encontrando o teu sorriso, o aceno de mão, silencioso, não querendo atrapalhar. E quem diz que atrapalhavas, amigo? Saudoso amigo!

    Este post foi retirado do email recebido do Diretor e professor de teatro santanense JNCanabarro.

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  5. Sim, verdade, nosso Bueno foi colírio para a geração da fronteira dos anos 80!
    Santana teve um grande expoente da poesia marginal dos anos 80, escrita sob o afago de bebidas (ou de otras cositas mas) servida, sorvida nos bares dos arrabaldes ou da Sarandi, nas calles riverenses, santanenses, portoalegrenses e florianopolitanas, no alvorecer do rigoroso inverno, ou tórido verão, nas alcovas inesperadas que a noite propiciava, no Cerro do Marco, Cerro do Caqueiro, enfim, o poeta outsiders Luis Carlos Bueno mostrou-se um ícone a altura, vivenciando alegrias, dramas e incertezas nas tramas de uma sociedade conservadora e excludente. Lástima que partiu de maneira trágica e cruel, vítima da intolerância, deixando-nos assim, sozinhos a lutar "contra o horror do establishment”, como ironicamente costumava falar!
    Em fevereiro de 2011, serão dez anos sem o grande amigo, para lembrá-lo, postamos em sua homenagem um poema, entre sua vasta produção. Brevemente publicaremos mais alguns.

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