quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

III Feira Binacional do Livro: Êxito e afirmação das Charlas


A terceira edição da Feira Binacional do Livro, na fronteira entre Santana do Livramento e Rivera, sacramentou a eficácia da charla como uma forma genuína de encontro entre brasileiros, uruguaios e fronteiriços. Em quatro dias de indisfarçável euforia, a Feira Binacional reuniu algumas das melhores cabeças da grande região hermana, que vai de Florianópolis a Montevidéu, com rastros na Paraíba, Rio de Janeiro, Santa Cruz do Sul e claro, Buenos Aires. Gente ligada às universidades federais, estaduais e particulares, pelo lado brasileiro. Pesquisadores do Centro Universitário de Rivera, representantes das bibliotecas uruguaias e funcionários do governo oriental. Poetas, músicos, artistas plásticos e escritores completaram o caldeirão cultural que alimentou as conversas/charlas, centradas neste ano em questões ligadas a literatura fronteiriça, o urgente mapeamento e preservação do patrimônio histórico, os desafios de usos e cuidados com o bioma pampa e o necessário incremento da produção cultural na fronteira. Na mesa “As políticas e os caminhos do patrimônio”, o historiador santanense, radicado em Santa Cruz do Sul, José Remedi, demonstrou porque a cultura fronteiriça precisa ser patrimonializada, para ser guardada para as futuras gerações. Mas tratou de afastar conceitos que ligam a cultura a uma concepção estática. “Cultura é mudança, por isso não se trata simplesmente de congelar algo, mas de conservar com modificações pactuadas”, ensinou. Cultura envolve os germes da estabilidade e da mudança, já a tradição deve ser encarada como o passado atualizado no presente, definiu Remedi. Já o arqueólogo e antropólogo Fernando Acevedo tratou do turismo patrimonial e um extenso trabalho que desenvolve na preservação de festas, saberes, manifestações e conhecimentos ligados a extensa área protegida do pampa na zona de fronteira, que envolve os municípios de Santana, Alegrete, Quaraí e Rosário, além dos municípios uruguaios. A historiadora Liane Aseff assinalou as ações em prol do tombamento do Parque Internacional. Lembrou dos tempos ancestrais, onde o Areial era o espaço preferencial do lazer fronteiriço. O tombamento está sendo analizado pelo IPHAE. O historiador Eduardo Palermo, do CERP Norte, lembrou de uma Rivera histórica, através de gigantografias que mostram momentos distintos da formação da cidade uruguaia, de Villa Ceballos a Rivera. A mesa foi coordenada pelo historiador Alejandro Gau, do CERP Norte.
Pela manhã, a historiadora riverense Selva Chirico brindou a todos com um fascinante relato sobre os comércios tradicionais de Rivera, que povoaram a infância e até hoje fazem parte do imaginário local. Rosario Brochado abordou a linguagem fronteiriça desde a perspectiva do patrimônio e sua conservação, enquanto o arquiteto e urbanista Luis Eduardo Fontoura Teixeira tratou da importância do conhecimento do patrimônio regional, os usos contemporâneos e efetivos dos bens tombados e da necessidade urgente de se delimitar áreas de proteção cultural. “A população precisa conhecer a história desses lugares para poder preservá-los”, enfatizou. Miguel Angelo Peres Pereira, da Prefeitura Municipal de Livramento, colocou a todos a par das dificuldades inerentes ao poder público e as necessárias articulações entre sociedade e classe política na busca pela preservação dos bens culturais. A bela e diversa literatura produzida na fronteira, em especial os escritos de dois grandes literatos que foram Arlindo Coitinho e Hipólito Zas Recarey, foi abordada pela pesquisadora e professora de literatura uruguaia, Alejandra Rivero (ver post abaixo) e Ariel Pereira. O professor Oneider Vargas recordou da produção cultural e engajada de Coitinho, junto a viúva do escritor santanense, Sônia Cabeda, que esteve presente no evento. Já o político e empresário Ariel Pereira, criador do célebre Canal 10, falou sobre a vida e obra de seu amigo Zas Recarey. Emocionado, Ariel Pereira leu partes da obra do grande escritor riverense, que recupera a trajetória de personagens da cidade e locais tradicionais da região. A mesa foi mediada pelo radialista Antônio Carlos Valente.
A literatura produzida pelas mulheres foi o tema da mesa “Vozes femininas da literatura fronteiriça”, composta pelos professores Cláudia de La Barrera, Rosana Cottens, do CERP Norte e Maria Regina Prado Alves, da Academia Santanense de Letras, que abordou a obra literária de Tânia Alegria. A obra do escritor riverense Osvaldo Lezama e sua linguagem fronteiriça foi aboradada por seu filho, Grauert Lezama Pintos, sob a coordenação de Eduardo Palermo. Ecologia e Sustentabilidade, foi o tema que uniu as universidades brasileiras Unipampa, Urcamp e o Centro Universitário de Rivera (CUR). Mediada pelo professor e diretor do CUR, Mário Clara, a charla contou com a participação dos professores Fábio Régio Bento, Miriam Garat, Nei Edílson e Ludmila (CUR). Questões ligadas ao bioma pampa e as fragilidades inerentes ao ecossistema local formaram o núcleo dos debates. Também foram apresentados os projetos acadêmicos desenvolvidos em torno de sustentabilidade e ações futuras entre as instituições de ensino do Brasil e Uruguai.


 A charla em torno da produção musical na fronteira foi precedida pelo lançamento das memórias de Bráulio Lopez, o eterno olimareño, que relembrou de aventuras pela fronteira, entre amigos fundamentais e referências artísticas. Falou com reverência de Ruben Lena, o maestro rural que deu o impulso necessário à obra olimareña, lembrou de Amílcar Real e de Jorge Cafrune, o famoso folclorista argentino e suas andanças nas linhas de fronteira, quando foram detidos pela ditadura brasileira. Foi saudado com aplausos por um público entusiasmado. Na charla que encerrou a terceira edição da Feira, uma conversa que reuniu Adair de Freitas, o consagrado “cantautor” fronteiriço, Marcelo Dávila, poeta e letrista premiado em festivais nativistas de todo o Rio Grande, Alberto Esquivel, homem do candombe e da cultura afro-uruguaia e Richard Bértiz, legítimo representante da cena underground riverense, líder do grupo Corvus. Com tamanha diversidade, a mediação teve de esmerar-se para que a conversa não tomasse rumos aleatórios. O ponto de equilíbrio foi a questão política. Adair de Freitas lembrou da necessidade de um poder público efetivamente comprometido com a cultura local. “Museus não existem para ficar escondidos, em prédios inacessíveis ao povo”, lembrou o autor de “Previsão”. Marcelo Dávila acrescentou que a região vive um paradoxo, de integração comercial e desconhecimento cultural. “Precisamos nos interligar efetivamente, conhecer a nós mesmos!”, exortou. Alberto Esquivel mostrou a força que o candombe possui enquanto arte de inclusão e mobilização social, partindo dos afrodescendentes e encampando setores sensíveis da sociedade uruguaia. Por fim, Richard Bértiz fez um relato uma verdadeira aula sobre as origens do movimento punk e suas relações com a América Latina.




A questão da mentalidade, da aposta nos valores locais foi lembrada tanto por Adair de Freitas quanto por Marcelo Davila. “Público há, dinheiro há, o que falta é o real interesse em valorizar nossos próprios valores,”, sentenciou Dávila, que pediu o esforço coletivo na criação de uma rede frutífera de valores e cultura. A fronteira precisa dar um passo além, em aspectos como um maior profissionalismo de músicos, bares e restaurantes, e claro, a mídia. Sobrou para todos na hora de dividir a responsabilidade.

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