segunda-feira, 5 de setembro de 2011

O Dia em que o Vingador da Ilha encontrou o Poeta do Bonfa

Carlos Gardel devia estar cantando a plenos pulmões lá na eternidade. Onde os viajantes estão ébrios de enigmas e as almas são seduzidas por flautas que levam a abismos ilusórios, como bem lembrou o filósofo alemão. Assim estava configurado o dia em que Valdir Agostinho resolveu visitar Nei Lisboa. O vingador da Ilha, roqueiro intrépido, bruxo e aventureiro, iria ter com o niilista do Bom Fim, o poeta das baladas perdidas, de uma geração tão romântica quanto atormentada. "- A vida é mágica, na mais pura acepção da palavra" , insistia Valdir. Lembro assim daquele dia, com Agostinho cantando pelas ruas do bairro gaúcho. “Não quero dinheiro, só quero amar, só quero amar...". O tempo ainda não havia se precipitado, e Tim Maia - como tantos outros malucos - ainda curtia das suas.
Partimos da nossa Barra da Lagoa pela manhã, e o almoço aconteceu entre os precipícios de Torres. Depois de avistarmos águas gaúchas, num rasgo de visão, Valdir captou as vibrações de Nei, a perambular pelas ruelas toscas do interior do Bom Fim. Conversamos sobre os caras que nos fazem a cabeça, como Antônio Adolfo, Eliete Negreiros, Paulinho Nogueira....e os gringos também. Mas esquecemos de Allen Ginsberg, Woody Allen, Andy Wahrol, Marshall Berman, Lou Reed. Nada de Robert Raushenberg, Laurie Anderson, Debby Harry, Miles Davis, Truman Capote, nada disso. Acho que o novo belicismo ianque nos afastou de Nova Iorque. Queríamos los cucarachas. Queríamos Charly Garcia, Ruben Rada, Sivuca e Lô Borges. A vida levitava na mágica estrada, revivendo o sonho de velhos roqueiros e tantos loucos que andam pelas ruas de Buenos Aires e Montevidéu.
A Estrada do Mar e seus motoristas enigmáticos. Como aquele garotão de chapéu de cowboy, que tentou um racha conosco. Enfim, a infinita highway veio dar na capital sulista, último reduto do torrão brazuca antes das terras castelhanas. Finalmente o bairro, o alvo, reduto do poeta. As estrelas luzindo no céu. Nei demorou para abrir a porta, disse que estava imerso em um programa de computador, lá no quarto dos fundos. Abaixo de nós, o Parque da Redenção, cenário de noites mal dormidas, de batalhas campais entre os loucos e a polícia, reduto de velhos uivos. Nei e Valdir, é nessa hora que um amigo estende a mão. Declarações de admiração recíproca e já estamos de volta às ruelas do bairro. "Vou pedir pra você ficar, eu te amo, eu te quero bem..." Valdir iluminava com seus gestos o que ainda restava de uma década ingrata.

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