O local é um pequeníssimo sótão em um bar de Rivera. Ali acontece o show da dupla fronteiriça Nuevos Bayanos. Cercados por inúmeras velas, dispostas em garrafas e espalhadas pelo chão, os artistas vivenciam com um público completamente absorto a celebração de uma nova vanguarda roqueira da região, onde a afirmação do portunhol como pátria legítima e resistência cultural dá o tom. Lou Reed + Olyntho María Simões. Dois poetas que se encontram no inusitado sótão da cidade uruguaia, em uma fusão que emana o novo, recupera o poder da arte como aglutinadora de rebeldias e promotora de novos diálogos.
Fabián Severo já disse que daqui a 300 anos o que está acontecendo na fronteira será estudado como um movimento potente e renovador.
Mas que fronteira é essa ?
Santana do Livramento
comporta-se hoje como uma legítima cidade dormitório, onde a mesma raça humana
que se percebe do outro lado da “linha imaginária” dorme em berço
não-esplêndido. Alijados das praças iluminadas, dos espaços organizados, da agenda
ininterrupta de eventos em seus variados aparelhos de cultura.
Sobrevive um “gauchismo”
reducionista que não dá conta do “mais além” de suas fronteiras, e acaba ao
mesmo tempo desarticulador e fanfarrão.
Nossas elites sociais e
culturais (nossas, dos santanenses) não conseguem mais responder à altura desse
tempo estranho – algo que já aconteceu nos anos 70 e 80, quando a cidade certamente
viveu dias melhores.
Hoje basta um meme por
dia, uma piada de péssimo gosto por dia, um ataque frontal de cunho pseudo-moralista
de algum líder de ocasião. E um smartphone na mão, para que todos os
funcionários voltem felizes para seus lares, escondidos lá nas entranhas dos
bairros sem infraestrutura nenhuma. Negócio é ligar a TV e esperar a vida
passar, com a boca escancarada, cheia de dentes.
Lembram da juventude
engajada da União Santanense de Estudantes, nos anos 80 ? Hoje a “juventude” – pelo menos a da Rua dos
Andradas para cá – parece não ter mais por que lutar. Espaço público não há, ou
se há está abandonado a inércia, e os amagos de caos ecológico chegam junto
com as promessas de uma terceira guerra mundial.
As propostas dos
progressistas estão em baixa, o sonho está em baixa, a esperança está em baixa.
Quando falo em progressismo, me refiro a todos aqueles que somaram forças ao
lado dos que buscam um papel tutelar do estado sobre a sociedade, desde a
promoção da saúde mas também da educação e cultura, da abertura de espaços para
a dissonância. Mas quando se falou com seriedade em Cultura na recente campanha
municipal ?
Recentemente tivemos de
submeter parte substancial de nossos acervos históricos ao Museu da cidade
vizinha, e depois de engolir a seco, tivemos de admitir que essa foi a melhor
opção. O contrário seria o roubo, o descaso, a perda, algo que já conhecemos e
que já vimos como funciona.
Temos instituições como a
Biblioteca Municipal ou o Museu David Canabarro, entre tantos aparelhos de
cultura, que afora estarem totalmente descaracterizados com o passar dos anos
recentes – quando reabertas, de tanto em
tanto – são apenas fantoches maquiados, instituições esvaziadas, sem pessoas
comprometidas ou ao menos com uma formação recomendada para gerir tais espaços.
E assim vamos trocando cargos por favores políticos, eternamente, a despeito do
bem comum e da promessa de um futuro. E infelizmente, isso não é mais uma
questão apenas de eleições.
Na falta de um espaço de
coletividade, incitada pelo poder público, sobra o espaço religioso, importante
sem dúvida, porém nem sempre afastado de interesses manipuláveis.
Por outro lado, Rivera
também vive décadas de um governo conservador e que todos sabemos de que
maneira cresceu e se consolidou. Mas resiste ali um apelo republicano, que em
última instância não permite que tudo desabe, como aconteceu do outro lado da
“linha”.
Do lado lusitano da
moeda, sobraram burocratas de partidos políticos enfraquecidos, tristes
políticos “profissionais”, ex mandatários que se julgavam os reis da Pérsia,
candidatos que sabem apenas espalhar paternalismo em época de eleições, como se
o “pobre” fosse um burro irrecuperável.
Frente a isso, o “novo”
vem com tudo e com razão – como já prenunciava o trovador de Porto Alegre.
Frente a isso, sobra o “novo” travestido de libertário, de “sem ideologia”, de
tudo o que sabemos ser apenas nuvem de fumaça, bastante espessa é claro, alavancada
pelas milícias digitais dos novos espelhinhos, que os nativos adoram.
E assim seguimos, bebendo
nas águas castelhanas, nos alimentando da vanguarda dos hermanos, do Candombe,
enquanto o samba é sistematicamente colocado em segundo plano. Restam os espaços
planejados desde allá. Enquanto isso, no acampamento imperial, convivemos com o
sono, a inércia, o desmando. E a falta de perspectivas.