segunda-feira, 28 de março de 2016

De bushinshe e portunholes

NOITE LINDA, de Jodido Bushinshe, onde fomos recebidos pelo anfitrião Hugo Lago, em seu Museu de Artes Plásticas de Rivera. A ode ao portunhol e seu merecido reconhecimento enquanto força pulsante e viva de nossa cultura fronteiriça, teve nas palestras do artista plástico Miguel Armand Ugon e Alejandra Flaka Rivero o ponto alto de uma noite fria e chuvosa. Fria e chuvosa - diga-se - apenas lá fora, pois no Jodido Bushinshe o clima foi de uma feliz confraternização. Ugon brindou o público com uma pequena retrospectiva de sua obra, cercada pela cultura local, de marcos onipresentes, uma Rivera mística e cheia de elementos de uma identidade que foi cambiando com o tempo.

Na obra de Ugon, surgem marcos enfeitiçados, murgas abrasileiradas e uma presença da religião e da cultura negra muito fortes, em uma fronteira que já não demonstra esse esplendor do encontro multicultural, pelo menos não tão forte como antes.
Já Alejandra, nos surpreendeu com uma análise sofisticada dos elementos do portunhol em poetas fundamentais da identidade fronteiriça, como Agustin Bisio, Olyntho Maria Simões, Taunay de Barros, Arlindo Coitinho.

Sempre fomos luso-parlantes, advertiu Alejandra, já de saída, em uma provocação que na verdade traduzia a presença lusa desde o início de nossas movidas coloniais. A fala de Flaka Rivero foi realmente deslumbrante, ao lembrar a platéia de detalhes intrìnsecos ao compor literário de Agustin Bisio (que usava não o portunhol, mas agregava o gauchesco-português, em sua poesia, criador do primeiro dialeto literário em Rivera, que nos traz um Uruguai intimista e original ); Olyntho Maria Simões (que traz a reivindicação da fronteira como local privilegiado e pede respeito, que mostra a cultura afro pulsante daqueles tempos, antes da ditadura uruguaia tentar apagar toda a referência); Lalo Mendonza (último escritor anterior a ditadura, que também eleva o afrodescendente a sua condição protagonista dessa cultura, antes da campanha de prescrição idiomática promovida pela nova ordem pós 1973).

Por fim, Flaka Rivero nos remete aos novíssimos Arlindo Coitinho (que reivindicava escrever em santanês, uma mistura do português, espanhol, português gaúcho e portunhol). Coitinho viria a influenciar toda uma nova geração de escritores da fronteira.
Encerrrando a viagem através do portunhol e seus poetas, temos Chito de Mello e seu rompidioma, um insulto elevado a condição de valor, exatamente como fez Oswald de Andrade em seu manifesto antropofágico, em 1922, quando o insulto tornou-se positividade, quando o pejorativo foi usado como afirmação cultural. Tudo isso nos ensinou Alejandra Rivero, nesta noite iluminada, que finalizou com um show fantástico de Ernesto Díaz, talento de Artigas, parceiro de Fabián Severo (outro autor citado, que volta aos valores semeados por Bisio, como coisa do coração, desperto por um "exílio" na capital).

Na Platéia, Marcelo Flores Da Cunha Garcia, Vladimir Fagúndez, Selva Chirico, Nestor Chumbo Chaves, Celina Albornoz e sua trupe, Richard Bértiz, Santiago Perez, entre muitos outros. O culpado por tudo isso? Enrique Da Rosa.


Confira a arte de Ernesto Diaz, Fabian Severo e Chito de Mello:

https://www.youtube.com/watch?v=tzJUuDOBFYo

https://www.youtube.com/watch?v=_ofUjsYZt7s

https://www.youtube.com/watch?v=QpsOXsQMy50

https://www.youtube.com/watch?v=8s5whuDSyyc


texto: marlon aseff (outubro 2015)
foto: Olyntho Maria Simões