terça-feira, 29 de março de 2011

A imigração árabe no Rio Grande do Sul


Entrevista de Liane Chipollino Aseff a Marcelo Campos.

Quem eram os imigrantes árabes que chegaram ao Rio Grande do Sul?
Os primeiros imigrantes árabes que chegaram por aqui deixaram o Oriente Médio por volta de 1860. Tinham basicamente a nacionalidade sírio- libanesa, e em menor número os palestinos. Eles deixavam suas pequenas aldeias e povoados, localizados na região da atual Síria e Líbano, chamada naquele momento de Monte Líbano. Os registros oficiais apontam a chegada significativa desses imigrantes aos portos de Montevidéo, Buenos Aires, Rio de Janeiro e Santos. Posteriormente, nas décadas de 1870, 1880 e 1890 essa movimentação iria se acentuar, sendo que muitos desses imigrantes acabaram fixando residência na faixa de fronteira gaúcha, em especial nas cidades de Santana do Livramento e Rivera, Barra do Quaraí, Bagé, Quaraí, Artigas e Chuí.

Como esses imigrantes libaneses e sírios chegaram à fronteira?
Chegavam à região através de cartas e indicações de parentes de suas cidades originárias, que já estavam estabelecidos na fronteira gaúcha. A grande maioria vinha através do Porto de Montevidéo. Eram recebidos por algum parente e logo em seguida viajavam de trem até a cidade em que moravam seus familiares. Ao chegarem nas cidades gaúchas, os imigrantes árabes vivenciaram a solidariedade de seus pares já estabelecidos por aqui. Após uma viagem longa e exaustiva, muitos traziam algum tipo de seqüela da travessia do atlântico. Então, nessa primeira fase da imigração, que vai de 1890 a 1920, aqueles patrícios que já estavam estabelecidos, faziam o ritual do acolhimento aos irmãos no país desconhecido, Fossem sírios, libaneses, ou os raros palestinos e egípcios. O abrigo e orientação nunca lhes foram negados. Recebendo referências sobre os costumes e algumas palavras do idioma local, os viajantes sentiam-se seguros para dar início a sua jornada no sul da América. Essa foi a trajetória comum entre as famílias e descendentes de árabes que residem no Rio Grande do Sul.

Quais os motivos que levaram os emigrantes árabes deixar a região?
Podemos falar de uma série de motivos como o crescimento da agricultura e a diminuição de atividades ligadas ao pastoreio, forçando uma urbanização maior ao mesmo tempo em que aumenta o controle governamental sobre essa população: a administração pública vai dar preferência a camponeses assentados, que pagavam impostos e que estavam sujeitos ao recrutamento militar. Por outro lado, se o aumento dessa urbanização provocou um crescimento populacional, com o declínio das epidemias e da fome, o crescimento econômico favorecia apenas a uma elite que estava ligada ao governo e aos grandes capitais. É um momento de muita desigualdade social, e esse progresso, descontínuo e desigual entre as regiões, classes sociais e grupos religiosos aprofundam o sentimento de busca por alternativas e a emigração.

Houve também motivos políticos e religiosos?
Sim, a rejeição ao domínio turco-otomano alcançou seu auge entre os séculos 18 e 19 Tornou-se mais forte também a disputa entre cristãos e mulçumanos e entre as seitas maronitas e drusas, que viviam na região montanhosa de monte Líbano. Não é por acaso, que a maioria das famílias de pioneiros sírio e libaneses
que vivem hoje no Rio Grande do Sul e especialmente na região da fronteira brasileiro-uruguaia, descende de cristãos maronitas e em menor quantidade de muçulmanos drusos. Também colaborou para isso o fato do império otomano instituir em 1903 o alistamento obrigatório dos cristãos no Líbano para auxiliar a guerra dos balcãs, fazendo com que muitos cristãos maronitas e ortodoxos enviassem seus filhos para fora do país, fugindo dos dominadores otomanos. muitos intelectuais e profissionais liberais perseguidos pelo governo buscaram o exílio nesse momento.
Os palestinos, quando chegaram?
A presença significativa de imigrantes palestinos no Brasil pode-se dizer que irá ocorrer após a criação do estado de Israel em 1948 e nas décadas seguintes, quando o conflito pela disputa do território palestino se acentua. A partir daí toda a faixa de fronteira será escolhida como destino de muitas famílias oriundas da diáspora palestina. No final da década de 60 uma segunda e maior imigração palestina se acentua com a guerra dos seis dias e a ocupação do território por Israel.

O que esses estrangeiros encontraram na nova terra?
Encontraram o que eles passaram a chamar de a terra da promissão, pois tanto nas pequenas cidades do pampa gaúcho como no interior uruguaio, foram ganhando um espaço privilegiado para sua nova profissão de trabalhadores informais, geralmente ligados ao comércio de tecidos, produtos de armarinho e miscelâneas.

Os imigrantes árabes sempre foram comerciantes ?
Muitos fizeram riqueza dessa maneira, mas ao contrário do que se imagina o trabalho no comércio, que invariavelmente começava como mascate, não fazia parte do cotidiano dos sírios e libaneses em sua terra natal. Em seus povoados árabes eles costumavam trabalhar na agricultura. Eram em sua maioria camponeses desabituados com o urbano e o comércio, e tiveram que se reinventar para sobreviver aqui. Os sírios e libaneses que optaram por percorrer as estâncias do interior uruguaio e a fronteira se depararam com um universo distinto daquele que estavam acostumados, embora encontrassem espaço garantido nessa nova profissão de trabalhadores informais.

Como foram recebidos pela população gaúcha ?
A população rural e das pequenas cidades do interior os observava chegar com seus caixotes de mercadorias em um misto de estranheza e fascínio, seja pela vestimenta, seja pela sonoridade da língua, e também pelo exotismo que trazia a simpatia e um certo encanto oriental. O fato é que muitos árabes que vendiam suas mercadorias de campo em campo, de vilarejo em vilarejo, auxiliaram na criação de um novo grupo de consumidores que estava afastado desse universo: as mulheres, os jovens e as crianças.

Como esses imigrantes se consolidaram na terra nova?
Através de muito trabalho e determinação para vencer nesse novo lar. Vale lembrar a importância do papel da mulher árabe no processo imigratório. Enquanto o marido trabalhava fora, geralmente mascateando, a mulher tomava conta da casa, da
família, em muitos casos promovendo alguma atividade que aumentava a renda familiar, garantindo em muitos casos o êxito dos negócios. Na falta da figura masculina, a mulher árabe tomou a frente do compromisso com o sustento da família, muitas vezes cuidando dos negócios. No princípio os árabes sofreram estranhamento e rejeição por parte da sociedade local, sendo imediatamente identificados como turcos. A confusão que tanto desagradou a nação árabe da diáspora tem origem nos passaportes emitidos aos emigrantes pelo império turco otomano que dominou a região até 1918. Para preservar seus filhos deste constrangimento, em alguns casos, foi imposta a segunda geração o afastamento da cultura e raiz árabe. Os descendentes cultivaram a tradição do país que seus pais escolheram para morar, tornando-se cidadãos genuinamente gaúchos. Na fronteira, a maioria das famílias oriundas dos pioneiros sírios, libaneses e palestinos encontra-se estabelecida como tradicionais comerciantes, profissionais liberais autônomos, escritores, artistas. Bem sucedidos, plenamente integrados a cultura pampeana e brasileira.

Atualmente, quantas famílias sírio, libanesas e palestinas vivem no estado do Rio Grande do Sul?
É difícil apontar, pois não existe um censo específico dessas comunidades, mas conforme dados do consulado, que são estimativas, a comunidade libanesa é de aproximadamente 90mil libaneses e descendentes que vivem no estado. Em relação ao número de famílias que deram origem às descendências, o consulado não tem essa informação. Alguns membros da comunidade trabalham com uma estimativa de 600 a 1200 famílias no estado.
Com relação a comunidade palestina, os dados estão defasados, apontam para uma estimativa 25 mil palestinos no estado. Mesmo que não exista um censo oficial sobre a comunidade, a Fepal/ RS, (Federação das Entidades Palestinas no Brasil) trabalha com a informação dos anos 80. Em 2000, acredito que este número subiu consideravelmente, visto os constantes conflitos naquela região e todo oriente médio.

A comunidade árabe vivenciou algum tipo de preconceito?
No início sofreram discriminação e preconceito por sua origem, especialmente no interior do estado e pampa. Eram erroneamente identificados como turcos, ainda existia aquele mito do turco cruel, impiedoso, transmitido em parte pelos cristãos.
Ainda hoje se ouve algumas pessoas usando esse apelido e outras difamações contra a comunidade. Felizmente a maioria da comunidade não árabe tem ótima relação com os descendentes e imigrantes. Embora o preconceito não seja somente para o povo árabe, os preconceitos são seculares, não? Recentemente, após o 11 de setembro de 2001, quando do ataque às torres gêmeas nos estados unidos, houve um retorno a esse tema, com a associação por parte da grande mídia da comunidade árabe em geral, ao extremismo e ao chamado terrorismo.

O que poderíamos falar sobre a miscigenação, a mistura dos costumes árabes com o povo riograndense, a herança cultural que deixaram aqueles primeiros imigrantes?
A herança árabe é uma marca permanente em nosso cotidiano. Está na escrita, na arquitetura, na gastronomia, nas danças e contos populares. O que logo nos aparece à lembrança é a culinária. A comercialização de comidas típicas daquela região, como o kibe e a esfiha hoje são popularmente conhecidas, entre tantas outras. Também os temperos, como a hortelã, o gergelim...o fato é que o universo mourisco perdura e faz parte da nossa identidade brasileira e gaúcha.
Apesar de ainda haver certa dose de preconceito, por conta da desinformação e dos mitos que circulam inclusive na mídia, felizmente a maioria da comunidade árabe tem ótima relação com as demais, em um ambiente de tolerância e diversidade. Seus elementos culturais estão plenamente integrados a identidade brasileira e gaúcha, se fazendo presente na escrita, arquitetura, gastronomia, danças, contos populares e vocabulário. Também não faltam imigrantes e descendentes de árabes e palestinos que se tornaram “fãs” do churrasco e do chimarrão. O chimarrão pode ser considerado uma bebida dos “dois mundos”, pois hoje em dia, tanto palestinos, libaneses e sírios sorvem um mate amargo em seu cotidiano seja de lazer ou trabalho. Alguns historiadores chegam a defender a tese de que a própria bombacha é herança árabe, pois seu desenho teria sido adotado pelos espanhóis do norte da espanha, da região conhecida como “La Maragateira”, chegando à América do Sul com esses imigrantes, chamados de maragatos.

Texto base do programa O Rio Grande em Capítulos, da rádio Guaíba, de Porto Alegre. Este programa teve por foco a imigração árabe no Rio Grande do Sul e foi ao ar em capítulos diários de 3 minutos, entre os dias 13 e 25 de fevereiro.
Fotos: abertura - grupo de imigrantes árabes reunidos sob o obelisco do Parque Internacional, na fronteira Santana do Livramento e Rivera, em 1953 (acervo Samir Kasakka). Passaporte: Documento do imigrante libanês Jorge Adelo Fidelis (acervo Sibia Adelo Bouchacourt). Família - grupo de libaneses reunidos em Rivera, por volta de 1935 (acervo Maria Aseff). Clique na imagem para ampliar.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Caligrafia Árabe


Após a revelação do Alcorão, a escrita árabe se consolidou e a caligrafia começou a ganhar um sentido artístico, pois a palavra possuía um caráter sagrado e sua representação gráfica precisava estar à sua altura.

Desse modo, as letras começaram a ganhar belas formas nas mãos dos escribas artistas que se destacaram ao longo dos séculos. A caligrafia árabe expandiu-se especialmente nos países em que houve presença significativa de muçulmanos. Nessas regiões, os calígrafos buscavam desenvolver a melhor criação artística; dessa forma, pintavam e desenhavam, transformando a letra em movimento vital.











De fato, procura mostrar a beleza em formas e movimentos que se expressavam sem dizer. Nesta longa caminhada, a trajetória da caligrafia árabe seguiu dentro e fora da Península Arábica. A caligrafia era utilizada nas sepulturas e nos sítios arqueológicos, nas telas dos museus e em exposições caligráficas.

Os artistas e calígrafos incorporaram a caligrafia árabe, colocando nela corpo e espírito, coração e mente. Já foi dito que, nas artes plásticas mostra outro mundo , com a música, a língua - fotografia e poesia, a consciência. A caligrafia árabe representa o corpo, a alma e os sentimentos desse mundo da arte.


Este texto é uma colaboração do calígrafo e artista plástico libanês, Moafak Dib Helaihel, radicado em Curitiba. Na foto, Moafak e a obra "Caligrafia Árabe", lançado no dia 24 de março, durante o II Festival Latino-Americano de Cultura Árabe.

domingo, 27 de março de 2011